GENÔMICA VERSUS SARS-COV-2

CCS


atualizado 1 mês atrás


PESQUISADORES PARANAENSES DESVENDARAM A PANDEMIA NO ESTADO E NO BRASIL

Um cenário que marcou a pandemia de Covid-19, no Paraná, foi a atuação das universidades estaduais nas pesquisas em torno do enfrentamento do SARS-CoV-2. Um grande projeto financiado pelo governo do Estado foi responsável por inúmeras ações que deram suporte ao processo de conhecimento das especificidades e ao tratamento dos paranaenses contaminados pelo vírus. Importante lembrar que o número real de mortes por covid no mundo pode ter chegado a 15 milhões, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Só no Brasil, passaram de 700 mil.

Entre tantos grupos que participaram, fizeram parte inúmeros pesquisadores do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação Genômica. O chamado NAPI Genômica surgiu em 2020, pouco antes da disseminação do vírus no país, mas teve um boom de reconhecimento e de atividades com a pandemia.

Quem conta essa história épica é a professora Andréa Name Colado Simão, diretora do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ela era a responsável pelo Laboratório de Imunologia Clínica, e atuava no Laboratório de Diagnóstico Molecular, ambos vinculados ao Laboratório de Análises Clínicas (LAC), do Hospital Universitário de Londrina (HU). O LAC-HU é tocado pelos docentes bioquímicos da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que estão inseridos no serviço de assistência à população. 

Segundo Andréa, o novo coronavírus mudou a vida dela, em 2020. A, então, pesquisadora da área de doenças autoimunes, estava se preparando, na época, para ir para Itália e, depois, para Grécia participar de um congresso de autoimunidade na área de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Porém, o SARS-CoV-2 se espalhou por todo o mundo, a OMS declarou a pandemia mundial, em 11 de março e, um mês depois, já havia o registro de mais de 2 milhões de casos confirmados, em 203 países. Os planos de Andrea mudaram totalmente.

A bioquímica lembra que o grande medo do nosso país e de toda a humanidade era, será que vamos resistir a tudo isso? Neste cenário, ela estava em casa, um dia, à noite, pensando que eu não ia trabalhar com Covid, que continuaria na área de doenças autoimunes. Então, recebeu uma ligação de um pesquisador que ela não conhecia, o doutor  David Livingstone Alves Figueiredo, coordenador do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação – NAPI-Genômica e presidente do Instituto de Pesquisa em Câncer (IPEC), de Guarapuava.

“Ele disse que eu havia sido indicada, por ser pesquisadora e estar envolvida na implantação do diagnóstico por RT-PCR1 para o SARS-CoV2, no Laboratório de Imunologia e Diagnóstico Molecular, do HU de Londrina. O assunto da conversa foi uma proposta para trabalhar em uma rede de pesquisa, o NAPI Genômica, em um projeto sobre Covid. E aí? De repente, estava trabalhando na pandemia, logo no comecinho”, descreve Andrea Simão.

A equipe da UEL, na verdade, entrou no cenário porque, em 15 de maio de 2020, o Laboratório de Análises Clínicas do HU/UEL foi credenciado pelo LACEN – PR, em Curitiba, para realização dos testes de Covid. O setor passou a ser responsável pela análise de 200 amostras por dia de pacientes atendidos pelos hospitais de Londrina e pela UPA Sabará, também do município, que era referência para atendimento de Covid. O diferencial era que o grupo conseguia liberar os resultados em até 24h após a coleta, possibilitando a melhor gestão dos leitos nos hospitais da cidade.


“Fizemos uma parceria com a Prefeitura de Londrina e foram feitos mais de 83 mil testes, até 2021, além da gestão de leitos para que não ocorresse a calamidade que se viu em tantas cidades. Londrina não teve isso, os nossos resultados de Covid saíam no dia para as pessoas que eram atendidas pelo SUS e os hospitais puderam otimizar a utilização dos leitos, retirar do isolamento os pacientes com teste negativo e receber aqueles que realmente precisavam de isolamento”, conta a professora da UEL.

Vírus X DNA humano

Segundo Andrea, esse foi um dos fatores que possibilitaram que as pesquisas importantes sobre Covid no Paraná se desenvolvessem efetivamente. Como o HU fazia os testes de Covid e a professora já era uma pesquisadora experiente em pesquisas clínicas, o grupo se deu conta de que precisava e podia saber um pouco mais sobre o vírus, sobre as variantes genéticas dele. 

“A todo momento surgia alguma coisa na mídia falando de uma variante nova. E, sob esse aspecto, o papel da rede genômica foi fundamental. Não era só mais assistência que era importante naquele momento, era preciso trazer respostas para a população. E esse algo mais fez com que a gente conseguisse, como o professor David sempre falou, investigar um pouquinho da parte genômica viral com as parcerias do NAPI-Genômica”, explica Andrea. 

De acordo com a bioquímica, o tempo inteiro a mídia falava de diferentes variantes do vírus: alfa, a beta, a gama, delta. O que tudo isso significa? Começou, então, o grande interesse de saber quais as variantes virais estavam circulando no Brasil, em especial, aqui no Paraná. Porque não bastava mais saber se a pessoa tinha um teste de Covid positivo ou não, como era no começo da pandemia. Era preciso saber como as variantes interferiam na transmissibilidade do vírus, na gravidade da doença e na efetividade de diagnóstico.

O cenário era: havia o vírus, o genoma viral, algumas pessoas tinham infecções leves, outras uma infecção mais grave. Por que isso acontecia? Sabia-se o básico, a fisiopatologia do vírus. Ele entrava nas células do paciente depois de se ligar a  um receptor importante, que é o ACE2, principalmente, por via respiratória.  A ligação do vírus a este receptor ACE2 na superfície das células funcionava como a interação entre uma chave e a fechadura, encaixava-se perfeitamente. Porém, se esse receptor estava presente em vários órgãos, por que em algum momento a infecção leve virava uma infecção grave?

As perguntas eram inúmeras: o problema estava na população, em algumas pessoas, em alguns “sorteados”? Todo mundo queria essa resposta. Em que momento a doença saía do tipo leve, moderada e evoluía causando a morte? Por que o nosso vizinho, que é novo e não tem nenhuma comorbidade, morreu?

Desvendar esse mistério foi o foco do primeiro projeto de Covid do NAPI. Assim, surgiu o Projeto Genoma Humano e Genoma do SARS-CoV-2. Os pesquisadores tinham como objetivo avaliar características genéticas do vírus e do genoma humano e verificar quais estavam associadas aos diferentes desfechos da doença: gravidade, óbito, tempo de internação, uso de ventilação mecânica etc. 

Segundo a professora Andrea, a grande dificuldade na realização deste projeto era conseguir amostras de sangue dos pacientes e amostras de secreção nasofaríngea2 coletadas via swab nasal3. A questão, é que, na maioria dos casos, o diagnóstico só era feito por meio se amostras de swab. Os laboratórios não tinham o sangue do paciente, o que impossibilitava a análise da genética dele e, consequentemente, a associação com os resultados da análise do genoma viral. 

“O Hospital Universitário de Londrina e os docentes que atuam por lá assumiram a responsabilidade de encontrar essas respostas. O diferencial da gente é que eu havia iniciado um projeto aqui na UEL em que fazia as coletas dos dois materiais quando o paciente dava entrada no HU, além do registro de dados clínicos e epidemiológicos de cada um. Isso fez com que a Universidade pudesse participar com 126 pacientes dos 150 previstos para o estudo”, lembra a professora. 

“O Hospital Universitário de Londrina e os docentes que atuam por lá assumiram a responsabilidade de encontrar essas respostas. O diferencial da gente é que eu havia iniciado um projeto aqui na UEL em que fazia as coletas dos dois materiais quando o paciente dava entrada no HU, além do registro de dados clínicos e epidemiológicos de cada um. Isso fez com que a Universidade pudesse participar com 126 pacientes dos 150 previstos para o estudo”, lembra a professora.

As amostras foram selecionadas de pacientes do Paraná com Covid Leve, Moderada e Grave. O objetivo era verificar quais características genéticas do vírus e dos pacientes estariam associadas à gravidade e às demais complicações da Covid-19. 

De acordo com Andrea Simão, foi bastante trabalhoso. As universidades do Paraná precisavam mandar a amostra “casadinha”, isto é, mandar o vírus detectado no teste positivo e o sangue do paciente para a gente ter o acesso ao DNA deles. Esse material era, então, enviado para o IPEC para realizar o sequenciamento viral e do nosso genoma. 

Descobertas

Esse projeto do NAPI continua vigente até os dias atuais. O sequenciamento do genoma humano com posterior análise pelo pessoal da bioinformática gerou muitos dados e, por isso, há diferentes grupos de pesquisadores do Paraná que estão em pleno processo de análise. 

“De acordo com a expertise de cada grupo, foram selecionados alguns genes para serem avaliados. Eu e o professor David somos responsáveis por genes de citocinas inflamatórias e do inflamassoma. Algumas dissertações e teses têm sido defendidas e alguns trabalhos foram publicados com o que estamos descobrindo”, anuncia Andrea Simão. 

Enfim, a professora reforça que o grande projeto não acabou até o momento. Os cientistas paranaenses do NAPI estão buscando a resposta que todo mundo quer saber. A pergunta é: por que alguns evoluem de forma mais grave ao desenvolverem Covid-19 e outros, simplesmente, passam assintomáticos?

SARS-CoV-2 e seu genoma, com indicação da localização e dos tamanhos relativos dos genes (caixas coloridas em laranja, vermelho e azul) e dos tipos de proteínas (Foto/Blogs Unicamp)

É importante destacar que, no decorrer do desenvolvimento das pesquisas, outros projetos paralelos e  interligados surgiram, permitindo, inclusive, o cruzamento das informações genéticas com dados epidemiológicos. A ideia era fazer a relação entre o genoma do Sars-cov-2 e a evolução clínica dos pacientes com Covid em uma amostragem do estado do Paraná. Veja mais informações na outra matéria do C² desta semana. 

Porém, muito está feito da parte que tinha o objetivo de avaliar a associação entre as variantes genéticas inflamatórias e a gravidade dos casos de Covid. Na caracterização das amostras, os pesquisadores verificaram a ancestralidade dos pacientes. Segundo Andrea isso foi muito importante, porque, ao analisar o porquê uma pessoa evoluiu para um caso mais grave, é necessário, além de investigar a genética viral, verificar o gênero, a idade e, inclusive, a etnia desses pacientes. Isso foi feito pelo IPEC, que anunciou que a manifestação grave da Covid-19 na população amostral aqui do Paraná está muito relacionada à ancestralidade europeia.

Uma população com ancestralidade semelhante, por exemplo, a europeia, pode trazer em seu DNA marcas resultantes de mutações ocorridas ao longo do tempo, fazendo com que sua genética seja diferente de outras populações com outra ancestralidade. Estas mutações constituem variantes genéticas que podem influenciar não só aspectos visíveis como cor da pele, olhos, formato do nariz etc., mas, também, como o organismo humano responde a infecções e inflamações. Uma das formas importantes que nosso organismo reage à infecção é pelo papel desempenhado pelo inflamassoma, estrutura existente dentro de células de defesa e que coordenam uma cascata de reações imunes como a produção de substâncias químicas chamadas citocinas. 

Em um dos estudos do NAPI, foram investigadas, por exemplo, dois tipos destas citocinas, chamadas de interleucina 19 [IL-19] e interleucina 20 [IL-20]. Foi preciso identificar os genes humanos que definem a produção da IL-19 e IL-20. Seriam como as instruções individuais de como estas moléculas químicas devem ser produzidas naquela pessoa. Encontrou-se quatro genes responsáveis e eles eram diferentes de um paciente para o outro!  Os pacientes investigados sintetizam suas IL-19 e IL-20 de formas diferentes e, segundo as pesquisas, isso parece influenciar como a Covid-19 evolui. Foi verificado que a IL-19, dependendo da forma que é produzida, pode levar à piora do quadro e, pasmem, essa molécula pode ser produzida de mais de 15 maneiras distintas! Já a IL-20, dependendo da sua forma de produção, pode, ao contrário, proteger o paciente de um episódio grave. Mas destacamos que também existem mais de cinco maneiras dela ser produzida. 

Tempestades de citocinas na Covid-19 (Foto/NewsLab)

Isso tudo é muito importante porque pode direcionar formas diferentes de tratamento de pessoas que têm genes diferentes e, por isso, a tendência de ter agravada ou não uma infecção. Os vírus têm variantes, mas os seres humanos também, e compreender como eles se associam significa mergulhar em um complexo quebra cabeças.

“Quando olhamos todos os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos no NAPI, temos algumas informações que apontam direções importantes… Do inflamassoma, foram avaliadas quatro variações em qautro genes com resultados positivos que podem interferir na gravidade da doença. Da interleucina 19, por exemplo, cinco variantes parecem estar associadas à gravidade, tendo uma doença mais grave. Da interleucina 20, duas variantes parecem que estão associadas à gravidade e uma associada à proteção, proteção não no sentido de que não vai pegar, mas de ter um episódio mais leve”. Algumas teses de doutorado vêm sendo realizadas nessa área, mostrando nossas descobertas”, conta Andrea. 

A professora disse, ainda, que era preciso terminar a conversa com o C² agradecendo à Universidade Estadual de Londrina e ao Hospital Universitário, “porque sem o apoio institucional não se faz pesquisa”. Andrea Simão lembrou, também, da importância da participação das demais universidades que fazem parte do NAPI Genômica, a Unicentro, a UEPG, a UEM, Unioeste, UENP e da Unespar. “Essa parceria permitiu a estrutura necessária para realizar as pesquisas genômicas no estado do Paraná. Nossos agradecimentos, em especial, aqui, aos nossos alunos. O Paraná faz ciência, ciência de qualidade. E quem faz ciência nas universidades do Paraná são os docentes e os alunos”, concluiu a professora. 

Texto: Ana Paula Machado Velho
Revisão de texto: Débora de Mello Sant’Ana
Arte: Mariana Muneratti
Supervisão de arte: Tiago Franklin Lucena
Edição Digital: Gutembergue Junior

Fonte:

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