Labubu: pequeno prazer para grandes crises
Revista Jornalismo & Ficção
atualizado 1 semana atrás

Não é só brinquedo: Labubu se transforma em senha estética de pertencimento num tempo onde mostrar importa mais do que ser.
Por Rebeca Godoi
À primeira vista, os Labubus parecem uma moda passageira, mas revelam um retrato mais profundo e inquietante da juventude contemporânea, marcada pela ansiedade, pelo consumo simbólico e pela busca constante por pertencimento.
Criados pelo artista Kasing Lung, em parceria com a marca chinesa de colecionáveis POP MART, os Labubus fazem parte do universo da art toy (arte em brinquedo). Com feições ambíguas entre o fofo e o sombrio, a estética do Labubu mistura nostalgia, estranhamento e delicadeza. Vendidos em blind boxes (caixas-surpresa) onde o comprador não sabe qual versão está levando, esses bonecos de vinil ultrapassaram o nicho de colecionadores e se tornaram um fenômeno cultural e comercial, especialmente entre jovens da Geração Z (1995 em diante).
Um único Labubu custa, em média, entre R$ 120 e R$ 180 no Brasil, podendo ultrapassar os R$ 500 em edições raras. Em grupos de revenda, os preços alcançam facilmente R$ 800 ou mais, dependendo da exclusividade. Ainda assim, comparado a roupas de grife, tênis de edição limitada ou smartphones de última geração, o Labubu permanece em uma faixa de preço que o torna um luxo viável, e é justamente aí que reside seu apelo.
O comportamento de consumir objetos pequenos, simbólicos e relativamente acessíveis em tempos de crise é conhecido como efeito batom (lipstick effect). Conceito popularizado por Leonard Lauder, presidente da Estée Lauder, após observar que a venda de batons aumentava em tempos de recessão (Lauder, 2001).
Pesquisas posteriores reforçam esse padrão. De acordo com Hill, Stephens e Singh, “em tempos de instabilidade econômica, os consumidores tendem a substituir compras caras por pequenos prazeres que geram sensação de controle e autoestima” ( 2012, p. 458). Ou seja, em vez de uma casa, um carro ou uma viagem, compra-se um batom…ou um Labubu.
O consumo Labubus não é tão fútil quanto parece. Em um mundo marcado por frustrações e incertezas, essas figuras se tornam refúgios afetivos e marcadores sociais. Como afirma Bauman, “o consumo passou a ser o principal meio de afirmação social e individual” (2001, p. 88). Assim, o pequeno objeto se transforma em um símbolo de gosto, sensibilidade estética e inserção cultural.
Mas há uma armadilha nesse processo. Segundo Lipovetsky “na era do hiperconsumo, o indivíduo é livre para consumir, mas prisioneiro da obrigação de se exibir” (1989 p. 62). O que começa como expressão pessoal logo se torna uma performance coletiva, reforçada pelas redes sociais.
Falamos de moda como se fosse sobre estilo.
Mas, muitas vezes, trata-se de medo: medo de estar por fora, de não ser notado, de desaparecer.
Os Labubus, como muitos outros objetos “da trend”, funcionam como passaportes visuais de pertencimento. Como previa Vinken (2005, p. 35) “a grife visível, exibida externamente, tornou-se o oposto do estilo individualizado: em vez disso, confirma uma coletividade uniforme latente… A mulher Chanel não quer mostrar seu próprio gosto, ela quer pertencer”.
Ou seja, o desejo de autenticidade frequentemente se transforma em uma corrida pela validação externa. A juventude veste, consome e posta os mesmos símbolos, não necessariamente porque gosta deles, mas porque tem medo de não pertencer.
E, nesse movimento, a juventude repete, às vezes sem perceber, os mesmos códigos, os mesmos gestos e os mesmos símbolos de status, numa tentativa constante de se manter visível em uma multidão ruidosa.
z mais de 90% dos brasileiros ainda sonham com a casa própria, mas apenas 2% dos jovens, entre 16 e 34 anos, conseguiram conquistar esse objetivo. O carro se tornou um bem inalcançável. A faculdade já não garante estabilidade. E o futuro se tornou um campo minado.
Neste cenário, objetos como os Labubus representam uma forma de substituição simbólica das grandes conquistas materiais. Como afirma McCracken, os bens de consumo são responsáveis por “transportar significados culturais para o consumidor” (1988 p. 71), funcionando como formas de expressão de identidade e status. O fenômeno dos Labubus sintetiza uma realidade delicada: a de uma geração frustrada por não poder consumir as grandes conquistas da vida adulta e que tenta encontrar alívio, identidade e pertencimento em pequenos símbolos estéticos e emocionais que cabem literalmente em seus bolsos.
Eles não são apenas brinquedos. Eles representam mensagens silenciosas:
“Eu entendo a trend.”
“Eu também tô cansado.”
“Eu só queria me sentir parte de alguma coisa.”
E, no fim, talvez seja isso que os Labubus simbolizam: a tentativa de parecer bem, pra não ter que admitir que estamos todos exaustos de toda essa performance de aparências.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
HILL, Ronald P.; STEPHENS, Debra L.; SINGH, Jatinder. The lipstick effect in tough economic times: Buying beauty to counter stress. Journal of Retailing, v. 88, n. 4, p. 457–466, 2012.
LAUDER, Leonard. The. Lipstick Indicator Estée Lauder Companies, 2001. Disponível em: https://www.elcompanies.com/en/news-and-media/newsroom. Acesso em: 8 jul. 2025.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MCCRACKEN, Grant. Culture and Consumption: New Approaches to the Symbolic Character of Consumer Goods and Activities. Bloomington: Indiana University Press, 1988.
SIMMEL, Georg. Filosofia da moda. São Paulo: Ática, 2008.
VINKEN, Barbara. Fashion Zeitgeist: Trends and Cycles in the Fashion System. New York: Berg Publishers, 2005.
Rebeca Godoi é estudante do curso Design de Moda da UEL, empresária na área, participa do grupo gabo de pesquisa e é responsável pela coluna de Moda da revista Jornalismo & ficção.