O poder da crônica bem contada

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 2 dias atrás


“Escrever é um ato solitário e libertador. Solitário porque você escreve para você mesmo, para todos e para ninguém. Quem escreve nunca sabe quem vai atingir, afetar ou beneficiar. As palavras escritas viajam e o itinerário não é algo que quem escreve controla. Isso torna o ato de escrever ainda mais desafiador. Libertador porque quem escreve desenclausura anjos e desencarcera demônios.”Reinaldo Zanardi em O tamanho do problema e outras histórias

Por Manuela Domingues

Com uma coletânea de 29 crônicas escritas entre 2008 e 2012, O tamanho do problema e outras histórias, do jornalista, professor e ator Reinaldo Zanardi, é aquele tipo de livro que te transporta para outra realidade. Todos nós, ao menos uma vez na vida, já escutamos que a função de um livro é fazer você viver muitas vidas em uma só. Mas, quem lê sabe que não é qualquer história que te pega pela mão e te faz viajar. Porém penso em ir mais fundo. Um bom livro não é apenas aquele que te faz conhecer outras realidades. Um bom livro é aquele que te faz querer escrever também. Aqui, além de cronista e jornalista, o autor deixa escapar o lado de professor e te incentiva.

Quando li a primeira crônica, não consegui segurar a surpresa e precisei ler novamente para uma amiga, que teve a mesma reação que eu tive durante a leitura. Já na história “A árvore da minha infância”, que foi minha crônica favorita, não pude conter a emoção e precisei pausar a leitura por um momento. É isso que você vai encontrar em O tamanho do problema e outras histórias: provocações.

Em crônicas de até três páginas, Zanardi te convida a se imaginar naquela casa típica de vó, cheia de árvores e flores. Ou, nas crônicas de humor, te remete à seriados brasileiros dos anos 2000, onde, pra mim, Luiz Fernando Guimarães interpretou o personagem principal. Nas narrativas mais sérias, o autor foge de melodramas baratos e te joga de encontro a realidade, trazendo à tona sentimentos de empatia e compaixão, fazendo com que você se identifique e pense “e se fosse comigo, o que eu faria?”. Aqui você encarna tudo: filha, marido, criança, mulher.

O tamanho do problema e outras histórias têm a escrita fluída, onde as histórias se desencadeiam em acontecimentos inesperados com finais surpreendentes. A crônica nada mais é que isso, criar em acontecimentos cotidianos uma narrativa. Na rotina criar boniteza. E Reinaldo Zanardi ensina, por meio de seu livro, a arte de escrever uma boa história. Os personagens aqui são fictícios, é claro, mas com acontecimentos baseados na realidade, vividas por amigos ou familiares do autor, ou são criadas em cima de notícias que ele conheceu por meio do jornalismo.

Zanardi explica, em uma nota inicial, que o livro é um compilado de escritos que fez para o seu blog “Letras Crônicas”, que foi criado em abril de 2008. O blog nasceu quase que dentro da sala de aula, onde o professor incentivava os alunos a produzirem crônicas para um jornal laboratório online. Do incentivo a escrita Zanardi também sentiu vontade de escrever. Percebe aqui a força da literatura?

As crônicas são atemporais. Poderiam ter acontecido em 2008, poderiam ter acontecido em 2025, e poderão voltar a acontecer em 2030. Nas histórias, o que importa é que o sentimento não vai mudar com o passar do tempo. Não há nada mais triste para um artista do que ter sua obra com data de validade, mas isso não acontece aqui.

Receba esse conselho: no dia 12 de julho, às 15 horas, vá até o Sesc Cadeião, que fica no centro de Londrina, e garanta um exemplar para você. O valor do livro é de R$40,00, com desconto para estudante. É uma produção independente, sem patrocínio ou subsídio público ou privado. Ao chegar em sua casa, prepare uma bebida para te acompanhar e viaje pelos diversos mundos criados por Zanardi. Como disse Diana Klinger em “Literatura e ética – da forma para a força”: talvez a literatura seja algo assim como “manter abertos os olhos durante a queda”. Pegue seu livro como companhia, se jogue e observe a vista enquanto cai. Garanto que será lindo.


Manuela Domingues, estudante de Jornalismo da UEL, professora de redação, participa do Grupo Gabo de Pesquisa. É revisora e editora da Revista Jornalismo & Ficção na América Latina.

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