“Eu posso esquecer, mas ainda estou aqui.”

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 2 semanas atrás


Após o sucesso do filme, o livro “Ainda Estou Aqui” publicado pela editora Alfaguara está entre os mais vendidos no Brasil. A obra narra emocionantes memórias do autor, que resgata a história de sua mãe, Eunice Paiva, após o impacto da prisão e do desaparecimento de seu pai durante a ditadura militar.

Cristina Piaui

Essa frase ressoa como eco da fragilidade de quem sofre com o esquecimento, mas também se ergue como um grito de resistência contra o tempo. No livro Ainda Estou Aqui, Marcelo nos convida a adentrar seu álbum de recordações, oferece a oportunidade de esquecer que estamos diante de uma história real, para sentir uma dor que, de alguma forma, se torna nossa. A narrativa se desenrola sem a pretensão de seguir uma linha do tempo organizada, mas com a força de um fluxo de memórias e sentimentos que nos atravessam.

O livro revela uma profundidade imensa. Apesar da origem tradicional, a família Paiva não teve como escapar dos horrores da violência militar. É a história de Eunice, uma personagem que se transforma em um retrato coletivo de tantas famílias brasileiras devastadas pela ditadura.

Marcelo nos apresenta momentos que podem ser simultaneamente dolorosos e intensamente vividos. Detalhes que, no filme, inevitavelmente se perderam. É interessante notar que, enquanto no cinema a personagem de Eunice, interpretada por Fernanda Torres, se apresenta como uma figura calorosa e cativante, capaz de se conectar com o público, no livro ela se revela mais fria, distante, quase inacessível. Marcelo nos conta, inclusive, que na vida real talvez tenha recebido apenas uns cinco beijos de sua mãe. E, mesmo diante das adversidades, Eunice se ergueu, resistiu, e criou seus filhos, ciente de que o futuro é sempre incerto.

No livro, o Alzheimer de Eunice se torna, de certa forma, um protagonista. Embora não seja tão detalhado no filme, o autor mergulha profundamente nas memórias e nas dolorosas nuances dessa doença. Ele consegue transmitir a agonia de uma família que assiste, impotente, ao “desaparecimento” de um ente querido, alguém que perde a capacidade de lembrar, mas não de amar. A frase “Ainda estou aqui” deixa de ser uma simples afirmação de presença, transformando-se numa tentativa de manter viva uma identidade, mesmo quando a memória começa a se dissipar.

Marcelo Rubens Paiva nos oferece, com sinceridade e dor, um convite para sentir o peso das cicatrizes deixadas pela repressão — uma injustiça e violência que muitas famílias brasileiras compartilham. Famílias que, apesar de tudo, ainda estão aqui.


Cristina Piaui é estudante de jornalismo na UEL e membro do Grupo Gabo de Pesquisa.

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