Estudante Kaingang apresenta TCC sobre internações de gestantes indígenas no HU

Assessoria de Comunicação do HU-UEL


atualizado 2 dias atrás


O Hospital Universitário (HU-UEL) é referência regional no atendimento de gestação de alto risco. Neste contexto, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desenvolvido pela a acadêmica do curso de Fisioterapia Débora Eulália Atanásio da Silva, indígena Kaingang da Terra Indígena (TI) do Apucaraninha, intitulado “Análise retrospectiva sobre as principais causas de internação de mulheres indígenas gestantes em uma maternidade de alto risco”, sob orientação da professora Roberta Romaniolo de Mattos, revisita a realidade das gestantes indígenas atendidas no HU e revela importantes desafios de saúde e equidade.

A defesa ocorreu no dia 5, às 9h, na sala 569 do Ceppos (Centro de Pesquisa e Pós Graduação), do CCS, com a presença de familiares indígenas, convidados e profissionais que acompanharam a trajetória da estudante. Débora, que concluirá o curso em 2026, será a primeira indígena formada em Fisioterapia pela UEL, marco que evidencia o papel crescente da universidade pública na inclusão e na produção de conhecimento comprometida com a inclusão e diversidade.

Roberta Romaniolo de Mattos, Débora Eulália Atanásio da Silva, Sarah Meirelles Félix e Andréia Jacinto Camargo.

Pesquisa: entender para transformar o cuidado

Débora Eulália Atanásio da Silva.

Em sua apresentação, Débora contextualizou a saúde indígena no SUS. Recordou que a Constituição de 1988 garante atendimento universal, equânime e diferenciado, respeitando vínculos culturais, crenças e tradições. A autora destacou ainda o papel da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena)as diretrizes do HumanizaSUS e o compromisso com a atenção integral às mulheres indígenas, especialmente no contexto de gestação, momento em que preconceitos e barreiras culturais podem afetar o cuidado.

A partir da análise de 50 prontuários de gestantes indígenas atendidas no HU entre 2019 e 2025, o estudo identificou os principais motivos de internação: doenças relacionadas à hipertensão foram as mais frequentes; doenças endócrinas, como diabetes gestacional, aparecem em segundo lugar; obesidade surge como fator de risco recorrente nessa população.

Débora também destacou a importância do território de origem, bem como o longo trajeto percorrido pelas gestantes até o hospital, elemento que impacta o acesso e o desfecho clínico.

Na discussão, os dados foram comparados às estatísticas do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), a principal fonte de dados sobre gestação e nascimento, e do IBGE, revelando forte consonância com os indicadores nacionais, exceto pela taxa de fecundidade, significativamente maior entre as mulheres indígenas. Os dados também confirmam que, entre as indígenas, o parto normal é predominante, possivelmente relacionado a práticas culturais.

A conclusão reforça a necessidade de fortalecer o cuidado integral às mulheres indígenas, garantindo respeito cultural e o fortalecimento de políticas de saúde junto a estas populações.

Reconhecimento e impacto

A banca avaliadora parabenizou a relevância do tema para a saúde materno-infantil e para o aprimoramento das políticas públicas. As avaliadoras destacaram ainda a importância da orientação sensível aos interesses e identidade dos estudantes indígenas, o trabalho representa um ganho expressivo para o HU, para a UEL e para as próprias comunidades indígenas.

Ao final, Débora emocionou o público ao agradecer o apoio da família e de sua comunidade: “Eu sempre quis fazer um curso na área da saúde, para poder voltar ao meu território e ajudar com meu trabalho”, afirmou.

Trajetória e resistência

Aos 26 anos, Débora ingressou na UEL pelo Vestibular Indígena, política que integra o conjunto de ações afirmativas das universidades estaduais do Paraná. Antes de ingressar no curso de Fisioterapia, participou do Ciclo Intercultural de Iniciação Acadêmica, programa pioneiro na América do Sul, que apoia estudantes indígenas em sua adaptação à vida universitária.

Sua caminhada não foi linear. Iniciou em Odontologia, enfrentou dificuldades, encarou o preconceito e o choque de realidades culturais, além dos desafios de ser estudante e mãe de dois filhos. Encontrou na Fisioterapia sua área de identificação e, a partir de uma atividade no Ciclo relacionada à saúde de gestantes, vislumbrou o tema de seu TCC.

Débora pretende agora retornar ao território para atuar junto à comunidade e, posteriormente, avançar na pós-graduação.

CUIA e a presença indígena na UEL

Durante toda sua trajetória, Débora foi acompanhada pela CUIA (Comissão Universidade para os Indígenas), responsável por implementar e monitorar a política de acesso, permanência e formação de estudantes indígenas. A UEL reserva 6 vagas suplementares para indígenas e atualmente conta com 36 estudantes indígenas na graduação e nove na pós-graduação.

O Ciclo Intercultural tem sido fundamental para a permanência desses estudantes, reduzindo evasão e fortalecendo vínculos identitários e acadêmicos. A presença indígena na Universidade amplia o debate e fortalece os direitos desta comunidade.

“Percebemos que o ciclo reduziu a evasão e reprovação dos estudantes indígenas, isto beneficia e aumenta a expectativa de alunos formados”, apontou a professora Sarah Beatriz Meirelles Félix, do Departamento de Saúde Coletiva (CCS), coordenadora da CUIA.

Uma universidade que transforma

A trajetória de Débora simboliza o impacto social da universidade pública inclusiva. Sua pesquisa contribui para qualificar o atendimento às gestantes indígenas e reforça o compromisso do HU com uma assistência culturalmente sensível.

Mais do que um TCC, o trabalho materializa o encontro entre ciência, diversidade e justiça social, um ganho para toda a sociedade.

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