Travessias da Pandemia – Pesos e Medidas

Blog BaguncEI


atualizado 2 anos atrás


Crer que todas as famílias possuem as mesmas oportunidades e condições em meio à pandemia é praticamente irreal. Somente quem vive diante  desta realidade sabe a precariedade que algumas crianças estão inseridas, muitas vezes sem acesso a internet para fazer suas atividades, trazendo muita insegurança para os país. A professora da rede municipal de Londrina, Cristiane dos Santos Farias, expressa no quadro “Travessias da Pandemia” as angustias que tem passado em meio ao cenário atual.

“Refletir sobre atividades remotas nos coloca frente a frente com as desigualdades sociais. Os acessos as aulas remotas têm na tecnologia o suporte para sua concretude. Analisar parcialidade de atendimento que depende da tecnologia frente a uma crise sanitária da Covid-19 é no mínimo imparcial. É preciso ter claro os pesos e medidas. Temos acessos com terabyte por parte de algumas famílias, temos outros – muitas que precariamente colocam crédito em seus celulares para assistir limitados downloads, e outras muitas famílias, nem isso! A prioridade do cumprimento do calendário escolar cai por terra quando a família está na luta pela sobrevivência de seus membros. O acompanhamento das crianças durante a exibição dos vídeos se faz imprescindível. Muitas vezes, quem está ali do lado é uma avó não-alfabetizada, pais e mães atribulados com os fazeres domésticos e as contas do mês que não fecham, horário noturno para realização das atividades dos dois, três, quatro filhos(as) de etapas diferentes de ensino, pois muitos não tiveram o “privilégio” de viver o distanciamento social e estão trabalhando. Isso gera um desgaste físico e emocional e o(a) novo(a) “professor(a)” que viram a se tornar do dia para a noite, muita das vezes, perdem a paciência, ficando a criança vulnerável ao peso do momento. A imposição vertical para que as atividades sejam realizadas a qualquer custo por parte dos sistemas de ensino, de forma aligeirada e pouco refletida, ampliou a jornada de trabalho dos professores, que num passe de mággica precisaram aprender a lidar com ferramentas midiáticas de ensino EaD. Professores que não se negam a trabalhar, mas sofrem a pressão da supervisão burocrática facilitada pelos acessos em nuvem e em tempo real. A cobrança para a devolutiva das atividades para crianças de 0 a 3 anos deveria ser totalmente dispensável, pois diante da realidade vivenciada, isso se faz um grande equívoco. Crianças pequenas não compreendem o que está acontecendo, não tem nenhum sentido ficar “presa no celular assistindo” a professora. Muitas vezes ouvi pais dizendo que estão tendo que forçar a bebê/criança muito pequena, para realizar essas atividades, a fim de que tenha um “registro” e não venha a ser cobrados pela Escola/Professora/ Conselho tutelar. As atividades das crianças de 4 e 5 deveriam estar a serviço de manter o vínculo afetivo, com atividades lúdicas, sem a cobrança e a ameaça estar como pano de fundo dessa relação. Os pais estão com medo “das crianças repetirem” (como se isso fosse possível); com medo do Conselho Tutelar; com medo de perderem Bolsa Família, neste momento ímpar, estão precisando de apoio e não de coerção. As crianças que não estão conseguindo acompanhar devido a vários fatores que muitas vezes são de vulnerabilidade, ainda são forçadas a devolver uma imagem, que ao chegar pela tela do WhatsApp, choca, assusta… Eu, como professora já chorei muitas vezes ao receber essas imagens, o contexto grita e ofusca o texto, é impossível analisar as imagens sem me perder no cenário estampado. O trabalho está insano, todos estão fazendo o seu melhor e trabalhando muito mais do que o normal. Mas precisamos refletir antes de agir, dialogar com várias instâncias envolvidas com a educação, assistência social, psicologia, pedagogos, a fim de que as aulas remotas passem pela vida das crianças, das famílias e dos professores sem que seja um trauma. Que possa ser lembrada como um momento de humanização das relações e de superação onde escola e família tiveram a oportunidade de se abraçar virtualmente e aquecer os corações”.

Cristiane Dos Santos Farias

Professora de Educação Infantil.

Leia também

Aula de encerramento: Uma lógica para orientar o pensar e o fazer pedagógico na Educação Infantil.

O blog BaguncEI convida você a participar da aula de encerramento do curso de extensão: Apropriações Teóricas e Suas Implicações Para o Desenvolvimento do Pensamento do Professor, conduzida pela participação da Profª. Drª. Suelly Amaral Mello da UNESP – Marília. A temática abordada será “Uma lógica para orientar o pensar e o fazer pedagógico na Educação […]


Roda de conversa

O projeto “Tecendo Redes para a Educação das Relações Étnico-Raciais” promoverá uma Roda de Conversa com o tema: “O Lúdico no Processo Criativo para a Educação Antirracista”. A roda de conversa será dirigida pelo convidado Professor Dr. Edimilson Mota, professor e doutor da Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo de Pesquisa Antirracista e coordenador da […]


Mapa de Tarefas

Eu já conhecia essa proposta de trabalhar com o mapa das tarefas mas nunca consegui identificar o momento certo para começar. Estive ausente por uma semana devido a uma doença. Quando voltei, comentei com as crianças que as plantas estavam precisando de água, já que não tinham sido regadas.Uma das crianças rapidamente se justificou, dizendo:“Claro! […]


Entrevista com Professoras de Portugal

Conheça as práticas de ensino através das experiências de professoras de Portugal. Neste vídeo, elas compartilham experiências em que trouxeram as famílias das crianças para a escola.