A UEL conquistou sua autonomia

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O cirurgião torácico João Carlos Thomson era o reitor da UEL no início da década de 1990. A nova Constituição Federal ainda não tinha dois anos e havia muito o que fazer para redemocratizar o país e devolver às universidades um papel atuante na sociedade.

Formado em 1967 pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Sorocaba (SP), o estudante João Carlos atuava no movimento estudantil, desde os primeiros anos do regime militar, opondo-se ao Centro Acadêmico de Medicina. De fato, ele conta que foi o único candidato da oposição que conseguiu se eleger para participar do CA na época. Concluiu suas Residências em 1970, ano em que foi contratado pela então Faculdade de Medicina, uma das que mais tarde originou a Universidade Estadual de Londrina.

A atuação política não arrefeceu. Ao contrário: Thomson ajudou a fundar e presidiu a Associação dos Docentes do Hospital Universitário da UEL (ADHUEL), mais tarde transformada na Associação dos Docentes da UEL (ADUEL), que também Thomson presidiu, hoje unida ao Sindiprol – entidade que igualmente teve a participação do professor em sua Fundação. Tem mais: ele ajudou a fundar a ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior.

O médico destaca a luta pelas eleições diretas nas universidades na época, paralela à cobrança da sociedade pelas eleições gerais. Porém, no final da década de 1980, Thomson foi para a Universidade de Londres para seu Pós-Doutorado em Cirurgia Torácica. Quando voltou, foi recebido com uma certa pressão para ser candidato a reitor. Neste período, relacionou-se com dois governadores: Álvaro Dias, que havia concedido a gratuidade no ensino superior do Paraná; e Roberto Requião, de março de 1991 em diante.

Thomson conta que, na época, 23 decretos simplesmente inviabilizavam a gestão da Universidade, que precisava da autorização do governo até para ações simples, como a compra de carteiras e giz. Qualquer pagamento deveria ser aprovado pelo Estado. O reitor chegou a pensar em chamar a imprensa e simbolicamente entregar as chaves da instituição ao governador.

Ao invés disso, investiu numa solução jurídica. Apoiado pela Procuradoria Jurídica, órgão imprescindível para a Universidade, segundo o médico, a instituição entrou com um mandado de segurança contra a Secretaria Estadual à qual a UEL estava vinculada, no início de maio de 1992. A Universidade Estadual de Maringá fez o mesmo e, no final do mês, a Justiça concedeu o mandado, garantindo repasse de recursos. Vale lembrar que, na época, a inflação podia chegar a 3% ao dia, por isso qualquer simples atraso no repasse significava perda de valor do recurso, assim como um repasse anual não levava em conta as perdas inflacionárias.

Paralelamente, Thomson tomou uma decisão corajosa: parou de pagar as contas de luz, água e quaisquer outras que devesse ao Estado do Paraná. A ideia era: se o governo não repassa o dinheiro para a UEL pagar o que deve a ele mesmo, então que se desconte tais valores. Na época, Thomson levou ao governador Roberto Requião uma planilha com os gastos da Universidade com o próprio Estado. Houve cortes.

A decisão do mandado de segurança garantiu relativa autonomia à UEL até 2018, quando o governo estadual foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubá-la. Em agosto, o STF decidiu – mais uma vez, em favor da Universidade. Para Thomson, este foi o grande ganho dos 50 anos da instituição e colocou um ponto final na questão: “Temos autonomia e estrutura para administrar. Não temos mais o que justificar”, sentencia o ex-reitor.O médico observa: “Desde que existe Universidade, existe luta pela autonomia”. Ele se refere às primeiras universidades, criadas ainda na Idade Média. No Brasil, ele relata, destaca-se a Reforma Rivadávia, de abril de 1911. Era a Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental, implementada pelo decreto 8.659. A Lei Rivadávia Correia (nome do então Ministro do Interior) retirava da União o monopólio da criação de instituições de ensino superior, o que tornava possível a criação de universidades pela iniciativa privada. Curiosamente, lembra Thomson, em 1911 o Brasil não possuía ainda nenhuma universidade federal – em todo caso, as privadas já estavam com sua existência garantida.

O ex-reitor da UEL enfatiza como é importante ter uma boa equipe na Procuradoria Jurídica, assim como um bom relacionamento com a sociedade. Ele lembra que marcava a presença da Universidade em instâncias como a AMEPAR (Associação dos Municípios do Médio Paranapanema) e junto à Câmara de Vereadores de Londrina. Aposentado desde 2010 do Departamento de Clínica Cirúrgica (Centro de Ciências da Saúde), Thomson é categórico: “A autonomia está garantida, é preciso lembrar disso”. Porém acrescenta: “Nunca é fácil lutar por uma Universidade. Tem que ter coragem e uma boa assessoria, para recorrer aos meios legais”. O que se deve evitar, segundo ele, é partidarizar a administração da instituição, porque isso gera conflito com a sociedade e com o Estado.

O que se deve praticar, diz o ex-reitor, é uma negociação direta, “olho no olho”, em todas as instâncias. É o que ilustra uma história curiosa de Thomson com o governador Roberto Requião. Depois da decisão do Tribunal em favor do mandado de segurança impetrado pela UEL, o governador “ficou bravo com a UEL”, nas palavras do médico. Havia pouco contato até que Thomson telefonou para o governador e o convidou para um almoço em sua própria casa, em Londrina, mas sem comitiva. O governador aceitou o convite, foi a Londrina, ficou bem à vontade na residência de Thomson e se mostrou mais flexível. “Foi sensacional”, comemora o ex-reitor. “A gente brigava mas fazia as pazes”, conclui.

O texto está citado na lista de referências como O PEROBAL (2021g).