Lesfem registra 4,7 feminicídios por dia no Brasil em 2023
LESFEM
atualizado 8 meses atrás
Monitor de Feminicídios do Brasil (MFB), mantido pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios da UEL, registrou 1.706 casos consumados e outros 988 tentados no país; monitor utiliza notícias como fonte de dados
No “mês das mulheres”, o Informe Feminicídios no Brasil 2023 nos lembra que ser mulher continua sendo um fator de risco no país. Divulgado pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), o Informe traz dados levantados pelo Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB) e aponta a ocorrência de 1.706 casos com indícios de feminicídios consumados e 988 tentados no ano passado. A média diária foi de 4,7 feminicídios consumados e 2,7 tentados no país. A fonte de dados do MFB são notícias publicadas na internet.
A metodologia do MFB segue as definições das Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres e do Mapa Latino-americano de Feminicídios. Desta forma são classificadas as notícias, identificadas a partir de ferramenta digital de busca desenvolvida pelo Data + Feminism Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology).
“Os resultados que apresentamos reiteram que o Brasil é um país com alarmantes proporções de feminicídios, assumindo destaque no cenário regional e global. Ser mulher é um fator de risco no país. Apesar de serem números que nos deixam revoltadas, uma vez que se trata de mortes violentas de meninas e de mulheres que poderiam ser evitadas, eles revelam apenas uma parcela do fenômeno da violência feminicida no país”, ressalta a coordenadora do Lesfem, Silvana Mariano.
Idade das vítimas
Dentre as vítimas de feminicídios consumados, mulheres entre 25 e 36 anos são a maioria: 28,8% das vítimas. No segundo grupo aparecem mulheres entre 37 e 45 anos de idade. Entre os dados registrados no ano de 2023, a vítima mais jovem tinha 27 dias de vida e a mais velha, 84 anos.
Dentre as vítimas de feminicídios tentados persiste a mesma faixa etária: jovens de 25 a 36 anos formam o grupo mais vulnerável, representando 23%. Existe, porém, uma grande dificuldade no levantamento desses dados, uma vez que em 42,1% das notícias sobre os casos não constava a idade das vítimas.
O MFB também detectou que em 400 casos de feminicídios consumados, ou 23,45%, as vítimas tinham filhas ou filhos dependentes, que somaram 692 crianças ou adolescentes impactados pela violência feminicida no ano de 2023 no país. Registrou-se, ainda, que 41 das vítimas eram mulheres gestantes, sendo 2,40% do total de casos. Em vários desses casos, a gravidez, inclusive, é uma motivação para o feminicídio.
“Estas informações evidenciam a importância de compreender a violência contra a mulher no Brasil como um problema estrutural. A predominância da violência contra mulheres jovens sugere que a idade é um fator de risco, possivelmente, relacionado a questões estruturais como desigualdade de gênero, machismo e a cultura de violência, colocando as mulheres jovens em situação de vulnerabilidade. Ao abraçar essa perspectiva, é possível desenvolver políticas públicas mais eficazes para combater a violência contra a mulher”, destaca Silvana.
Relacionamento entre vítima e agressor
Os dados sobre relacionamento entre vítimas e agressores reforçam os impactos da estrutura patriarcal na vida das mulheres. Em 43,3% dos casos identificados como de feminicídios tentados havia um histórico de relacionamento desfeito; em 38,1% ambos ainda formavam um casal.
Nos casos de feminicídios consumados, os índices reforçam o cenário: 37% dos casos detectados em 2023 tinham como suspeito um marido, namorado ou companheiro, e em 24,3% dos casos o suspeito era um ex-marido, ex-namorado ou ex-companheiro.
“Vínculo conjugal é o principal tipo de elo entre vítima e agressor nos casos de feminicídios consumados no Brasil. A ruptura deste vínculo é, no entanto, o segundo principal tipo de elo”, detalha Silvana.
“A violência doméstica, à luz das teorias feministas, manifesta-se como uma expressão material da opressão de gênero, atuando como mecanismo de controle e dominação que perpetua a submissão feminina. Esses dados evidenciam como a violência doméstica se configura como um instrumento de reafirmação do patriarcado”, enfatiza.
Paraná tem média acima da nacional
Todos os estados do país registraram casos de feminicídios em 2023, conforme mostra o Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB). O Paraná surge como o quarto em números absolutos, tendo registrado 127 casos, atrás apenas de São Paulo (252), Minas Gerais (156) e Bahia (128).
Considerando-se a taxa por cem mil mulheres, o Paraná também registra média acima da nacional (1,6), com 2,1 feminicídios consumados por cem mil mulheres. Os cinco estados com maiores taxas são: Mato Grosso do Sul (3,4); Acre (3,1); Mato Grosso (3,1); Rondônia (3,1) e Roraima (3,1). Os cinco estados com as menores taxas são: Maranhão (1,0); São Paulo (1,1); Rio de Janeiro (1,2); Ceará (1,2) e Pará (1,3).
Domingo: o dia mais temido
Dentre os 1.706 casos de feminicídios consumados identificados pelo Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB), 297 aconteceram no domingo e 281 no sábado. Muitos também foram registrados na madrugada de segunda-feira (275), ainda na esteira do fim de semana.
Dentre os 988 casos de feminicídios tentados, a ocorrência maior aos domingos se repete: 225 ocorreram neste dia. Sábado segue como o segundo dia de maior ocorrência, 153.
Os dados confirmam outros divulgados por fontes diversas, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP): os fins de semana são de maior risco à vida das mulheres, especialmente o dia de domingo. De acordo com Silvana Mariano, essa variação ao longo da semana pode ser explicada por diferentes fatores.
“Nos fins de semana, há uma tendência de mais participações em atividades sociais, como festas e encontros, expondo as mulheres a situações de maior vulnerabilidade, seja em locais públicos ou privados, bem como sob influência de álcool e drogas. O consumo de álcool, aliás, é identificado como um fator de risco para violência doméstica, com estudos indicando que homens que bebem frequentemente são mais propensos a agredir suas parceiras”, explica.
A associação entre consumo de álcool e violência doméstica, entretanto, deve ser tomada com cautela, dado o caráter complexo, multidimensional e ulticausal da violência de gênero, defende Silvana.
“Entre esses outros fatores, destaca-se a convivência familiar intensificada. Trata-se de uma dinâmica dos vínculos sociais que colocam mulheres e meninas em convívio mais intenso com seus agressores durante os dias considerados de descanso do trabalho pago. Esse fenômeno foi mais intensamente observado no Brasil durante períodos da pandemia de Covid-19”.
Fatores de maior risco
Os dados coletados pelo MFB do Lesfem indicam uma distribuição quase igualitária das vítimas de feminicídio quanto à cor ou raça entre os grupos de mulheres negras (26,2%) e mulheres brancas (28%). Esta proporção apresenta discrepância em relação às estatísticas fornecidas por fontes da segurança pública no Brasil.
“Tal divergência sugere a possibilidade de um viés na cobertura da imprensa, tanto na escolha dos casos de feminicídio a serem reportados quanto na contextualização fornecida sobre as vítimas. Este possível viés pode distorcer a compreensão pública do problema, por isso, faz-se urgente uma cobertura da imprensa mais abrangente e detalhada, em que a humanização da vítima se sobreponha ao interesse pelo crime”, aponta Silvana Mariano.
É fato que todas as mulheres sofrem com a violência de gênero. Porém, há quesitos que acentuam a vulnerabilidade à violência feminicida, como o racial. Este é um fato demonstrado em levantamentos nacionais como do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
“Essa informação, contudo, é de difícil detecção nas fontes da imprensa. Mais de 44% dos casos não dispõem de informação sobre cor/raça da vítima”, explica Silvana. Os dados do MFB do Lesfem também revelam uma camada adicional de invisibilidade em relação às mulheres indígenas. Muitos dos casos de violência de gênero sofridas por essas mulheres acabam não noticiados ou encobertos por disputas e conflitos nos territórios.
“Os desafios enfrentados para a reportagem desses casos pela imprensa são consideráveis, contribuindo para a sub-representação dessas vítimas nas estatísticas”, explica Silvana.
Combate eficaz
Os dados apresentados pelo Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB) reforçam a urgência da implementação de estratégias embasadas em teorias feministas para combater a violência doméstica.
“Políticas públicas que não apenas protejam as mulheres, mas que também desestabilizem as estruturas patriarcais são imperativas”, afirma a coordenadora do Lesfem.
Para efetivamente combater a violência doméstica, o Informe do Lesfem aponta ser imperativo: 1. Investir em políticas públicas fundamentadas em teorias feministas, que não apenas protejam as mulheres, mas também desmantelem as estruturas patriarcais.; 2. Promover uma educação que desconstrua as normas de gênero, inspirando-se nas propostas de autoras como Judith Butler.; 3. Conscientizar a sociedade sobre as raízes profundas da violência doméstica e a importância de uma abordagem interseccional, conforme proposto por Kimberlé Crenshaw (1991), é crucial para promover a compreensão e a ação efetiva contra esse problema social.
“Diante dos desafios apresentados, este relatório sublinha a premente necessidade de uma ação coletiva e coordenada entre órgãos governamentais, instituições de pesquisa e a sociedade civil para superar as lacunas de dados e compreensão que ainda envolvem o feminicídio no Brasil. A urgência de desenvolver uma base de dados mais robusta e detalhada não é apenas uma questão estatística, mas um imperativo ético que nos desafia a construir políticas públicas eficazes e responsivas às realidades multifacetadas das mulheres brasileiras”, finaliza Silvana.
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