As apostas esportivas e o futebol brasileiro
Revista Jornalismo & Ficção
atualizado 3 semanas atrás

As publicidades veiculadas no futebol, além de aumentarem a exposição de jovens, grupo mais vulnerável ao vício, também atribuem credibilidade às casas de aposta, especialmente quando utilizam jogadores renomados e clubes populares para expor seu produto. A regulamentação das apostas no Brasil foi feita de forma precoce e irresponsável.
Por Felipe Garcia
A relação entre apostas e futebol existe há muito tempo. Na Europa, casas de apostas centenárias sempre fizeram parte do cenário esportivo, chegando a patrocinar clubes de peso, como Real Madrid e Milan, que estampavam suas marcas nos uniformes. No Brasil, entretanto, o cenário era outro: as chamadas “bets” eram praticamente inexistentes no cotidiano esportivo e até então livres de sua influência. Hoje, a situação se inverteu. Enquanto na Europa poucos clubes mantêm vínculos com empresas do setor, no Brasil essa relação se intensifica, com impactos que vão da manipulação de resultados ao aumento do vício em apostas.
Essa mudança está ligada a políticas e decisões adotadas por governos e entidades futebolísticas na última década. Diversos países europeus avançaram para restringir a presença de casas de apostas no esporte. Contudo, no Brasil o mercado ganhou ainda mais espaço. Ligas como a italiana e a espanhola proíbem que seus clubes exibam marcas de apostas nos uniformes. Na Espanha, a restrição vem da Lei Garzón, que entrou em vigor em agosto de 2021, a qual também veta qualquer propaganda relacionada a apostas online. Já na Inglaterra, a Premier League anunciou que, a partir da temporada 2026/27, os clubes deixarão de estampar casas de apostas nas camisas, decisão tomada de forma voluntária pela liga, sem interferência do governo.
No Brasil, o mercado de apostas esportivas começou a ganhar força em dezembro de 2018, quando foi sancionada a Lei 13.756 pelo então presidente Michel Temer, regulamentando a modalidade de “apostas de quota fixa”. Até então, a prática era ilegal no país. Desde então, empresas internacionais passaram a investir pesado, especialmente no futebol, firmando contratos com clubes, competições e transmissoras de televisão. O fácil acesso a sites e aplicativos acelerou muito esse processo, tornando as “bets” parte do cotidiano do torcedor em poucos anos.
Em 2019, nenhum time da Série A do Campeonato Brasileiro estampava no uniforme a marca de uma casa de apostas. Já em 2020, um ano após a regulamentação, metade dos clubes da elite, 10 dos 20, havia firmado contratos com empresas do setor. Atualmente todos os times da primeira divisão são patrocinados por essas empresas, sendo 18 deles patrocinadores master do clube.
O crescimento rápido das casas de aposta no futebol brasileiro infelizmente não se limitou apenas à publicidade, também trouxe diversos impactos para a sociedade. Segundo estudo do banco Itaú, brasileiros perderam cerca de R$24bilhões em apostas online em 2024, valor equivalente a 0,2% do PIB nacional e superior ao gasto anual do estado do Rio de Janeiro com despesas públicas. Além disso, de acordo com o Banco Central (BC), beneficiários do Bolsa Família enviaram aproximadamente R$ 3 bilhões por mês para esses sites. As publicidades veiculadas no futebol, além de aumentarem a exposição de jovens, grupo mais vulnerável ao vício, também atribuem credibilidade às casas de aposta, especialmente quando utilizam jogadores renomados e clubes populares para expor seu produto. Leia mais na matéria da CNN Brasil.
As apostas também afetam o jogo dentro das quatro linhas, com manipulações de resultados se tornando cada vez mais frequentes. Em 2023, o Ministério Público de Goiás abriu uma investigação após denúncia do presidente do Vila Nova de que o jogador Romarinho, de 23 anos, teria recebido cerca de R$ 150 mil de uma quadrilha para cometer um pênalti no primeiro tempo de uma partida válida pela Série B. O caso desencadeou uma série de apurações em nível nacional: 18 jogos foram investigados, mais de 50 jogadores estiveram envolvidos e oito atletas foram afastados do esporte. Conversas entre criminosos e jogadores foram vazadas, e o líder da organização, conhecido como Fernando Neto, foi preso. No Brasil, casos de manipulação de resultados relacionados a apostas esportivas só começaram a surgir após a regulamentação do setor em 2018, evidenciando como o crescimento rápido do mercado trouxe novos riscos à integridade do futebol nacional. Casos semelhantes já ocorreram em diversas ligas europeias, mas o Brasil nunca havia enfrentado essa dimensão do problema antes da abertura do mercado. Mais informações sobre o caso na matéria da ESPN Brasil.
Conclui-se que o rápido crescimento das casas de apostas no futebol brasileiro revela um dilema complexo: por mais que o setor movimente bilhões e gera novas fontes de receita para clubes e transmissoras, também expõe o esporte e a sociedade brasileira a riscos concretos, como o vício em apostas e a manipulação de resultados. Diferentemente da Europa, onde políticas restritivas buscam equilibrar entretenimento e integridade esportiva, o Brasil ainda caminha a passos largos rumo à normalização desse mercado, muitas vezes sem mecanismos de proteção suficientes, provando que a regulamentação foi feita de forma precoce e irresponsável. Essa expansão acelerada levanta a necessidade de debates públicos e regulamentações mais rigorosas, lembrando que o lucro imediato não pode se sobrepor à credibilidade do futebol e à saúde social.
Felipe Garcia é estudante de Jornalismo na Flórida International University (FIU) em Miami, e colaborador na Coluna de Esportes da Revista Jornalismo & Ficção na América Latina.
Tainara Gomes é estudante do curso Design Gráfico da UEL. Estagiária responsável pelas redes sociais e toda comunicação tanto digital quanto física do sistema de bibliotecas da UEL. Participa do Grupo Gabo de Pesquisa e da revista Jornalismo e Ficção na América Latina.