A diversidade saiu de moda. A magreza extrema é a nova tendência

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 8 meses atrás


O esforço em direção à representatividade de corpos distintos começa a perder força, à medida que uma nova geração, cada vez mais engasgada de ozempic, se vê alheia a situação. Os padrões continuam implacáveis e as discussões parecem estagnadas.

Por Rebeca Godoi

A pauta da representatividade ganhou destaque na última década, levando marcas como a Victoria’s Secret a se preocupar com a aceitação do público, especialmente após polêmicas envolvendo seus posicionamentos. Em 2018, o ex-diretor de marketing da marca, Ed Razek, declarou à revista Vogue que a marca não tinha interesse em incluir modelos plus size ou transsexuais em seus desfiles, afirmando: “Nós fazemos campanhas para quem vendemos, e nós não vendemos para o mundo inteiro.” Esse tipo de manifestação escancarada gerou ondas de cancelamento e críticas.

Embora essas declarações sejam consideradas explícitas e condenáveis, muitas vezes a exclusão do corpo diverso ocorre de maneira mais sutil e ainda assim é igualmente poderosa.

Em 2021, a marca Miu Miu viralizou com sua saia de apenas um palmo, que foi desfilada e promovida em corpos magros, sendo amplamente aceita nas redes sociais, inclusive por influenciadoras e celebridades. A escolha de um corpo esguio como ideal para um item de moda, mesmo quando não explicitamente dito, também é uma forma de excluir outras formas físicas.

Em 2023, um relatório da Vogue Business revelou que, na temporada de outono/inverno, dos 219 desfiles realizados em Paris, Londres, Milão e Nova York, apenas 0,6% dos quase 10 mil looks apresentados foram de modelos plus size. O esforço em direção à representatividade de corpos distintos começa a perder força, à medida que uma nova geração, cada vez mais engasgada de ozempic, se vê alheia a situação. Os padrões continuam implacáveis e as discussões parecem estagnadas.

Chegando a 2024, e a Victoria’s Secret, mais uma vez envolvida em controvérsias, retorna com seu icônico Fashion Show após seis anos de hiato. Neste retorno, a marca prometia representar “todas as mulheres”, com modelos de 25 países diferentes, incluindo modelos transgêneros e plus size. Contudo, o resultado foi previsível: a maioria esmagadora das modelos ainda era magra, e, quando corpos gordos foram apresentados, a quantidade de pele exposta foi reduzida, enquanto as características reais desses corpos foram minimizadas. A inclusão parecia, novamente, ser mais uma fachada do que um reflexo genuíno da diversidade.

Em 2025, as redes sociais seguem celebrando a magreza, como se fosse a verdadeira forma de felicidade. No TikTok, por exemplo, surgem tendências como a “felicidade é magra”, que apresenta meninas exibindo seus corpos adelgaçados, recebendo aprovação e elogios dos espectadores. Esse comportamento é reflexo de uma sociedade que ainda vê o corpo magro como um símbolo de sucesso, felicidade e aceitação.

Como analisa Susan Bordo em seu livro Unbearable Weight (1993) o corpo esguio se tornou o “símbolo do sucesso” na cultura ocidental, refletindo as pressões de uma sociedade consumista e capitalista, onde a estética é frequentemente vista como um espelho do controle pessoal e da disciplina. O controle sobre o corpo, especialmente no que diz respeito à magreza, se tornou uma das maiores manifestações de poder social. O que perpetua a idealização de uma silhueta que é, muitas vezes, inalcançável para a maioria.

Assim, a busca pela magreza extrema não é apenas uma questão de estética, mas sim um reflexo das expectativas de uma sociedade que ainda valoriza a uniformidade e a perfeição, à custa da diversidade e da inclusão real.


Rebeca Godoi é estudante do curso Design de Moda da UEL, empresária na área, participa do Grupo Gabo de Pesquisa e é responsável pela coluna de Moda da Revista Jornalismo & Ficção.

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