A vida é cruel, injusta e dramática
Revista Jornalismo & Ficção
atualizado 1 mês atrás
“O leitor não deve imaginar que ao escritor compete apenas criar situações e personagens como se fossem enigmas a serem decifrados pelo leitor. No caso de A hora da estrela, há um sentido claro e direto, sem mistérios: a vida é cruel, injusta e dramática para os excluídos do progresso na metrópole brasileira.” – Paulo Gurgel Valente.
por Nathalia Rosa
“Eu não inventei essa moça. Ela forçou dentro de mim a sua existência. Ela não era nem de longe débil mental, era à mercê e crente como uma idiota. A moça que pelo menos comida não mendigava, havia toda uma subclasse de gente mais perdida e com fome. Só eu a amo.” (Lispector, 1977, pág 26)
Assim declarou Rodrigo S. M. , o heterônimo e narrador-personagem do último e mais popular romance de Clarice Lispector, A Hora da Estrela. Pouco antes de morrer, no ano de 1977, a escritora disse, em entrevista para a TV Cultura (YouTube Clarice Lispector fala sobre “A Hora da Estrela”), que a novela é “Uma história sobre uma mulher cuja inocência foi pisada. História de uma miséria anônima”.
Macabéa é uma alagoana de 19 anos, sem nenhuma beleza, que se mudou para o Rio de Janeiro após a morte da tia que a criou. Para se sustentar trabalha como datilógrafa em um escritório qualquer. No Rio vive uma vida miserável, recebe menos de um salário mínimo, mora em uma pensão. Às vezes mastiga papel para espantar a fome. Seu único momento de felicidade é quando escuta seu rádio relógio e vislumbra outras realidades, que não fantasia alcançar. Porém em nenhum momento se revolta com sua vida, pelo contrário, aceita as coisas como são, sem nunca questionar.
“A pessoa de quem vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros na rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham”. (Lispector, 1977, pág 13)
Certo dia conhece Olímpico, com quem começa um relacionamento. Ele também é nordestino e trabalha como operário em uma metalúrgica, mas sonha em ser deputado. Diferente de Macabéa, Olímpico de Jesus tem em si a malícia da vida, é um homem orgulhoso, que nunca admite estar errado, não se importa em ser desonesto ou até mesmo de tirar uma vida. Olímpico por diversas vezes humilha Macabéa, que em sua ignorância apenas aceita o que lhe é oferecido.
“Pois que vida é assim: aperta-se o botão e a vida acende. Só que ela não sabia qual era o botão de acender. Nem se dava conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso dispensável”. (Lispector, 1977, pág 26)
Assim como a autora, o livro é extremamente melancólico. Revela o pior lado da vida. A Hora da Estrela trata da injustiça e da crueldade que sofrem os que são considerados inúteis para a sociedade capitalista. Muitas vezes, em leituras anteriores, considerei Macabéa uma alienada, até que percebi que ela é um retrato de milhares de brasileiros, que, assim como a protagonista, não têm perspectiva de futuro e sobrevivem em condições insalubres. Enfim, é um livro para se ler, reler, sentir e refletir. Uma obra que bem vale sua fama.
Nathalia Rosa é estudante de Jornalismo na UEL. Membro do grupo Gabo de Pesquisa e do projeto Safety.