Gabo e o cinema

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 2 meses atrás


De 177 filmes identificados em críticas cinematográficas assinadas por García Márquez, para o jornal El Espectador, em Bogotá nos anos 1950, retirou-se essa pequena mostra, publicada em modo folhetinsta. Nos fragmentos de Gabo, citados nas postagens, pode-se perceber a paixão do autor pelo sétima arte.

Texto e colagem: Fernanda Ortenzi

O cinema era uma das paixões de Gabriel García Márquez. Em sua autobiografia “Viver para contar”, o autor narra suas idas ao cinema com o avô, ainda criança, e conta sobre a evolução de seu interesse por filmes ao longo da vida.

Entre 1954 e 1955, Gabo escreveu críticas de cinema para a coluna “Cine em Bogotá. Estrenos de la semana”, no jornal El Espectador. Estes textos estão reunidos no livro “Textos Andinos – Obra Jornalística 2”, publicado pela Record, em 2006, com tradução de Remy Gorga Filho e Léo Schlafman. 

Milagre em Milão – abril de 1954 

Neste texto, García Márquez aponta o modo como o filme mistura o real e o fantástico. Uma das principais características da obra do autor é o realismo mágico. Daí seu fascínio pelo conto de fadas acontecendo na vida real reflete tanto em sua escrita como no seu gosto por filmes. 

“Cesare Zavattini, o autor do romance, e Vittorio de Sica, adaptando-o ao cinema, preferiram situar a ação em uma cidade real, Milão, onde os pobres são completamente pobres e os ricos fabulosamente ricos. O compromisso com o público ficou, por isso, mais difícil de ser cumprido, pois deviam humanizar a fantasia, fazer passar a fábula pelo filtro do rigoroso realismo italiano, sem que aquela perdesse seu encanto nem este sua elevada temperatura humana” (GGM, 2006, p. 160) 

“A história de Milagre em Milão é toda um conto de fadas, só que realizado em um ambiente insólito e misturando, de maneira genial, o real e o fantástico, a um tal extremo que, em muitos casos, não é possível saber onde termina um e onde começa o outro” (GGM, 2006, p. 160). 

Título original: “Miracolo a Milano” 
Ano: 1951 
Direção: Vittorio De Sica 
Roteiro: Cesare Zavattini, Vittorio De Sica, Suso Cecchi D’Amico, Mario Chiari, Adolfo Franci 
Elenco: Emma Gramatica, Francesco Golisano, Paolo Stoppa 

O cangaceiro – julho de 1954 

Entre os filmes comentados por García Márquez está uma obra brasileira dirigida pelo cineasta Lima Barreto e premiada no Festival de Cannes. 

“O maravilhoso desta história é a maneira como Lima Barreto a contou, com a prodigiosa segurança técnica dos mestres do cinema mudo e a inspiração, a simplicidade e o vagar de um poeta antigo. O melhor do filme está fundado exclusivamente no fascínio visual: a imagem em movimento é o único meio expressivo, o único elemento de que se dispôs para contar a história, especialmente a violenta e rica narrativa do assalto à aldeia, onde nada fica sem explicação, graças — exclusivamente — à irrepreensível escrita cinematográfica” (GGM, 2006, p. 202). 

“Dizer que O cangaceiro é mais que um testemunho social, um belo e terrível poema, é fazer justiça a um assombroso diretor, cujo único defeito em seu primeiro trabalho foi o excessivo e explicável entusiasmo” (GGM, 2006, p. 203). 

Título original: “O cangaceiro” 
Ano: 1953 
Direção: Lima Barreto 
Roteiro: Lima Barreto, Rachel de Queiroz 
Elenco: Alberto Ruschel, Marisa Prado, Milton Ribeiro, Vanja Orico 

Disque M para matar – dezembro de 1954 

García Márquez comenta um filme de um cineasta muito importante para a história do cinema, Alfred Hitchcock, que dirigiu clássicos como “Psicose” (1960) e “Um corpo que cai” (1958). 

“Não parece que o roteiro tenha modificado fundamentalmente a obra teatral, nem que ninguém, senão Hitchcock, tenha feito alguma coisa para adaptá-lo à linguagem cinematográfica. A trama tem por base quase exclusivamente os diálogos, alguns deles, como o do marido da presumível vítima com o presumível assassino, são muito mais longos e explicativos do que pode admitir o bom cinema. Entretanto, “Disque M para matar” está muito longe de ser teatro filmado, graças à reconhecida e surpreendente astúcia narrativa de Hitchcock, que sabe dizer com as câmeras muitas coisas úteis, muitas coisas assombrosas e inteligentes e que não poderiam ser ditas com nenhum elemento diferente da câmera” (GGM, 2006, p. 348). 

Título original: “Dial M for Murder” 
Ano: 1954 
Direção: Alfred Hitchcock 
Roteiro: Frederick Knott 
Elenco: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings 

Umberto D. – fevereiro de 1955 

Uma característica que García Márquez valoriza nos filmes é a humanidade dos personagens e das histórias. Isso está presente em vários textos da coluna Cine em Bogotá. 

“Deve-se, porém, estabelecer uma profunda diferença entre a história de Umberto D. e a maneira de contá-la, que são dois méritos diferentes do filme, ainda que o concurso dos dois seja o que faz dele uma obra imortal, a obra-prima da história do cinema. A história de Umberto Domenico é válida porque é verdadeira, é verdadeira porque é humana. Se fosse mais humana que a vida de um homem, seria uma história falsa. Sua grandeza está na fidelidade com que se parece à vida” (GGM, 2006, p. 417). 

“Uma história igual à vida deveria ser contada com o mesmo método que a vida utiliza: dando-lhe a cada minuto, a cada segundo a importância de um acontecimento decisivo. De Sica e Zavattini dividiram o drama em espaços infinitesimais, demonstraram o profundo patético que há no simples ato de se deitar, de voltar para casa; no fato simples, inevitável e transcendental de existir um segundo” (GGM, 2006, p. 417-418). 

Título original: “Umerto D” 
Ano: 1952 
Direção: Vittorio De Sica 
Roteiro: Cesare Zavattini 
Elenco: Carlo Battisti, Maria Pia Casilio, Lina Gennari 

Matar ou morrer – março de 1955 

García Márquez comenta este filme que venceu quatro categorias do Oscar, por atuação, roteiro, direção e montagem, e foi indicado à categoria de melhor filme na premiação. 

“Todos os elementos concorreram para fazer deste um filme excepcional: a história magistral, com uma força interior de tragédia antiga; a direção segura, de uma maravilhosa sensibilidade; o roteiro correto, inteligente e minucioso; a música, de assombrosa sabedoria; a montagem, de uma alta qualidade sinfônica; e o inesquecível desempenho de Gary Cooper” (GGM, 2006, p. 448). 

“A grandeza deste filme tem sido realçada exatamente por sua simplicidade. E essa simplicidade tem sido sublinhada pela fotografia, que é de uma expressividade natural, sem efeitos espetaculares, sem rebuscamento, sem alardes de nenhuma espécie, mas notavelmente sábia no achado dos ângulos e enquadramentos” (GGM, 2006, p. 448). 

Título original: High Noon 
Ano: 1952 
Direção: Fred Zinnemann 
Roteiro: Carl Foreman 
Elenco: Gary Cooper, Grace Kelly 

Referência:
GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Textos Andinos: Obra Jornalística 2 (1954-1955). 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.


Fernanda Ortenzi é estudante de Jornalismo, foi integrante do Grupo Gabo de Pesquisa e assistente de edição da revista Jornalismo & Ficção: América Latina e Caribe. Desenvolveu projeto de Iniciação Científica sobre “Cinema segundo García Márquez”.

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