Crônica de uma morte anunciada

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 8 meses atrás


O romance-reportagem em versão transcriada, produzida na Disciplina Especial sobre García Márquez, retrata as vozes e as visões de sete personagens dessa história, suas participações (ou ausência delas) na morte de Santiago Nasar, que foi assassinado com sete facadas.

Texto: Paulo Andrade

Arte: Sofia Loredo

TODOS SABIAM QUE SANTIAGO SERIA ASSASSINADO

— “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”.

Nessa primeira frase do livro CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA, de Gabriel García Márquez, o acontecido fica explícito. Baseado em história real, ocorrida em 1951, num povoado do Caribe, o autor não faz questão do suspense habitual para prender o leitor.

A beleza da novela-reportagem está na forma de retratar o clima tenso. Todos sabiam que o jovem Santiago iria morrer, quem iria matá-lo e as armas que seriam usadas. Mesmo assim não conseguiram evitar a tragédia. O autor ainda traz reflexões sobre a defesa da honra, sobre a xenofobia e sobre as relações de abuso de poder entre classes sociais.

MORTE ANUNCIADA PELA COZINHEIRA

A personagem mais emblemática da trama, Victória Guzmán ouviu naquela manhã de segunda-feira o que fariam com Santiago. Cozinheira da casa dos Nasar desde nova, ela viu Santiago nascer, crescer e se tornar um jovem.

Quando ainda moça, a senhora Guzmán foi abusada sexualmente por Ibrahim Nasar, pai de Santiago. Com o passar dos anos, Victória vê a história tentando se repetir. A possível vítima é sua filha, Divina Flor, que começava a florescer.

— “Era idêntico ao pai, um merda”, dizia Victória.

Tudo indica que o medo de ver a filha desvirginada pode ter calado a cozinheira. Por isso ela não avisou Santiago? Ela disse que não. Não o preveniu, pois achava que o boato sobre a morte era conversa de bêbado. Victória Guzman não deferiu nenhuma das sete facadas que levaram a óbito Santiago Nasar, mas poderia ter evitado a trágica morte.

MORTE ANUNCIADA PELA NOIVA

A caçula dos Vicários é considerada por muitos como a grande responsável pela morte de Santiago Nasar. Foi de sua boca que saiu o nome do jovem árabe como autor da sua desonra. A moça casou sem amar o marido e ouviu da mãe um terrrível ensinamento da vida: “Também o amor se aprende”. Mas, a união com Bayardo San Román não passaria da mísera noite de núpcias. O segredo foi revelado. Bayardo não lhe tocou um dedo sequer. Levou Ângela de volta à casa dos pais, como se fosse uma mercadoria estragada.

Ao saberem do ocorrido, os gêmeos imãos de Ângela, entenderam a situação ao ouvirem o nome de Santiago Nasar. Nunca se soube se realmente foi ele que desonrou a moça. Esse segredo ela levou para o túmulo.

Ângela Vicário não deferiu nenhuma das sete facadas que levaram a óbito Santiago Nasar, mas por causa dela ele foi brutalmente assassinado. Inocente ou culpada? Isso não importa, o crime contra Santiago fora cometido.

MORTE ANUNCIADA PELO NOIVO

O encantador Bayardo San Román chegou ao vilarejo seis meses antes do seu casamento com Ângela Vicário. Nunca o tinham visto por aquelas bandas. Quem era ele? Qual seu objetivo ali?

Sua paixão por Ângela foi à primeira vista, quando a viu passar em frente da pensão onde se hospedava. Estava decidido que faria dela sua esposa. Foi difícil convencer os pais da moça.

O casamento foi a maior festa que o povoado já tinha visto. Porém, foi na noite de núpcias do casal que a desgraça se cumpriu. Sua amada esposa não era virgem. Aquilo o destruiu. Não se rebelou contra a jovem, ainda vestida de noiva. Apenas a devolveu para a família.

Depois do acontecido, entregou-se à bebida, trancado na casa que comprou para viver com sua adorável Ângela. Só depois de algum tempo sua família conseguiu tirá-lo de lá.

Bayardo San Román não desferiu nenhuma das sete facadas que levaram a óbito Santiago Nasar, talvez seja tão vítima da tragédia quanto o jovem árabe.

MORTE ANUNCIADA PELA DONA DA LEITERIA

A leiteria de Clotilde Armenta foi um dos lugares decisivos no desenrolar da tragédia, que terminaria na morte de Santiago Nasar. Foi ali que os gêmeos esperaram a vítima. A senhora Armenta tentou de todas as formas tirar da cabeça de Pablo e Pedro a ideia de assassinarem o jovem árabe. Os gêmeos chegaram ao estabelecimento pouco depois das 4 horas da madrugada.

Clotilde mandou avisar a todos sobre a intenção dos gêmeos, inclusive a Victória Guzmán. O desespero tomou conta da dona da leiteria. Não possuía força para detê-los.

Quando Pedro Vicário avistou Santiago Nasar saindo pela porta principal do estabelecimento, avisou Pablo. Nesse momento Clotilde Armenta agarrou Pedro pela camisa e gritou para Santiago:

— “Corra, eles vão te matar”.

Isso foi tudo que ela pode fazer, mas de nada adiantou. Clotilde Armenta não desferiu nenhuma das sete facadas que levaram a óbito Santiago Nasar, muito pelo contrário. Ela gritou e tentou salvar a vida do jovem árabe.

MORTE ANUNCIADA PELO AMIGO

Cristo Bedoya era um dos melhores amigos de Santiago. Esteve presente nas últimas horas de vida do jovem árabe. Viraram a noite a beber e a comemorar o casamento de Bayardo San Román e Ângela Vicario. Resolveram ir embora…Afinal, o dia começou a nascer e eles queriam ver a chegada do bispo. Cristo Bedoya agarrou o braço do amigo e foram andando pelo porto. As pessoas observavam os dois caminhando, mas ninguém teve coragem de avisar.

Em certo ponto se separaram. Cristo Bedoya se preparava para ir à casa dos avós quando soube da notícia. Só teve tempo de ver o jovem Nasar virar a esquina. Era a última vez que veria o amigo vivo. Fez o possível para alcançar Santiago, mas tudo conspirava contra o tempo.

Por ser estudante de Medicina, Bedoya chegou a ser cogitado para fazer a autopsia de Santiago. Prontamente recusou. Mesmo assim, acabou cuidando do corpo do amigo e das marcas brutais que os gêmeos deixaram.

Cristo Bedoya não desferiu nenhuma das sete facadas que levaram a óbito Santiago Nasar, longe disso. Seu único erro foi não ter sido rápido o bastante para avisar o jovem árabe.

MORTE ANUNCIADA PELA MÃE

Plácida Linero era mulher de nervos sólidos. Vinda de uma família de poder que perdeu tudo em guerras. Casou nova com Ibrahim Nasar e tiveram somente Santiago como herdeiro. O jovem Nasar se parecia muito com o pai, tanto no aspecto físico quanto nas maneiras de estar…Com a mãe aprendeu a coragem e a prudência.

Na manhã do assassinato, ela se lembra do filho entrando no quarto. Ele estava com roupas de linho branco. Santiago havia se arrumado para ver o bispo. Esta seria a última vez que veria seu filho com vida.
Mataram seu filho dentro da sua própria casa. Seu menino Santiago. No momento em que o executaram, Plácida Linero ouviu um grito:

— Ai minha mãe!

A dor de perder um filho é imensurável. Não é a ordem natural da vida. Plácida Linero levaria as sete facadas no lugar de Santiago; pagaria qualquer preço para ter o seu unigênito de volta.

MORTE ANUNCIADA PELOS GÊMEOS

— “Diante de Deus e dos homens”, disse Pablo Vicario. “Foi um caso de honra”.

Pablo era o mais velho. Apenas seis minutos mais velho. Na adolescência, era mais engenhoso que o irmão. Pedro sempre foi o mais sentimental, por isso mais ciumento. Aos 20 anos, Pedro serviu às tropas e voltou mais endurecido pelo serviço militar. A decisão de matar Santiago partiu de Pedro Vicario. Convencer o irmão não foi difícil, afinal Pablo criou uma dependência muito grande do irmão mais novo.

Desde que ouviram dizer que Santiago Nasar seria o responsável pela desonra da irmã, a sentença do árabe foi escrita. Pegaram suas facas de abater porco e saíram pelo povoado a anunciar a morte. Se instalaram na venda de Clementina Armenta à espreita. Estavam decididos a matar para vingar a honra da irmã. Quando viram o seu alvo sair pela porta principal da casa, perceberam que era aquele o momento. Santiago tentou fugir, mas sua morte era inevitável.

A autópsia revelou que o motivo da morte foi hemorragia maciça, ocasionada pelas feridas maiores. Uma morte brutal. Qual o preço de uma vida? Olho por olho, dente por dente? Os irmãos Vicario julgaram, deram a sentença e a executaram. Vieram das mãos deles as sete facadas que levaram a óbito o jovem Santiago Nasar.


Paulo Andrade é formando em Jornalismo pela UEL. Como estagiário, passou pela Rádio UEL e Rádio CBN Londrina. Participou do Grupo Gabo de Pesquisa durante o ano de 2022.

Sofia Loredo é formanda em Jornalismo pela UEL. Estagiou em jornalismo impresso, digital e também na área de publicidade. Participou do Grupo Gabo de Pesquisa durante os anos de 2022 e 2023.

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