Cartas de “amor nos tempos do cólera”

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 1 ano atrás


Os encantamentos da paixão, as peripécias para encontrar, às escondidas, com o ser amado, as longas distâncias de espaço- tempo, fazem d“O amor nos tempos do cólera” um dos mais instigantes romances de Gabriel García Márquez.

Texto e imagens Davi Paludetto

Até onde vai o amor? Aos céus e às estrelas, ao fundo do oceano e em cada palavra de carinho entre os que amam?  Essa não é apenas a história de um amor inflamado pelos corações de dois amantes; é o livro que Gabo conta a o romance de seus pais, que aconteceu, de fato, pelas ruas de Cartagena das Índias e pelo Caribe colombiano.

Aqui o romance foi transcriado por Davi Paludetto, por meio de supostas cartas trocadas entre os amantes: Firmina Daza e Florentino Ariza. O folhetinsta foi produzido na Disciplina Especial sobre García Máquez, no curso de Jornalismo. Publicado no Instagram, entre 22 de setembro e 13 de outubro de 2021.

O badalar dos sinos separam as horas, os dias, os anos, e até mesmo a vida. Mas só alguém de grande importância consegue fazer sinos retumbarem em sua homenagem. Em dia de pentecostes, apenas os grandes heróis. Quem morreu? Será ele? Certamente, apenas ele.

Por anos acreditei num amor intenso, mas hoje vivo apenas pelas traças, vadiando pelas ruas. Talvez esse soar seco e áspero possa ter ainda outro significado. Talvez o sol tenha finalmente nascido para mim. Essa pode ser a mudança da minha vida.

Que belo dia. Ele me lembra você, minha eterna amada. Como esquecer teu cheiro doce, como a maresia. Seu perfume irradiava meu ser e penetrava no âmago da minha carne. Não consigo viver sequer mais um dia sem você.

Hoje, mandei América embora mais cedo, pois reencontrarei o amor. “Esse é o começo de uma nova era”. Naquela mesma casa onde, depois de cinquenta anos, jurarei minha fidelidade eterna.

Florentino Ariza

Era nova, mas lembro perfeitamente. Você apareceu como um raio de sol, entrava pela minha janela e iluminava o meu dia. Naquele banco você era o sol: distante, mas queimava minha pele. Até onde iria esse sentimento que ardia como brasa?

Fui conquistada pelo seu jeito doce e meigo. Pelo seu amor paciente e discreto, mas mesmo assim intenso. Eu via o ardor emanar pelos seus olhos, que todos os dias me seguiam pela praça – seu jeito simples de dizer que me amava. Nunca foi fácil para nós. Como crianças, fomos enganados pelo destino.

Éramos bobos, meu bem, guiados cegamente por uma paixão que só existia nos papeis. Papeis de amor sóbrio, mas que funcionavam apenas em linhas tortas. Porque hoje quando te vi, tudo perdeu sentido, como as frases escritas no rodapé de um caderno.

Firmina Daza

Fui enganado pelos ares de um falso amor. Porém, nunca imaginei que esse desgosto viria de galeão, vestido em gala. Meus encantos plebeus foram esquecidos, como um simples dia de verão, nem o som da minha alma conseguiu te conquistar.

Eu fiz de tudo, subi montanhas e mergulhei nas profundezas do Atlântico. Nosso amor era tudo, espero que recorde. Escrevi inflamado cartas implorando por sua ternura, derramei cada gota de tinta como se fosse um pedaço da minha alma inscrita em papel. Transpus as batidas do meu coração para você, minha Princesa Coroada, mas de nada funcionou.

No fundo, eu não era o homem com quem você sonhava. Não fui páreo para aquele que me roubou de você. Foi medo, indecisão ou prestígio? Não me digas mais nada. Por que recusaste minha coroa, minha eterna princesa?

Florentino Ariza

A tua presença. Acordei, como todos os dias desde que conheci, com saudade. Saudade do seu cheiro, de olhar para os seus olhos e poder tocar a sua pele, Firmina. Saudade da tua presença. Estranho pensar que quanto mais o tempo passa, mais encantadora você fica, minha princesa. Você é como os perfumes. Perfume das gardênias na manhã. Que sorte a minha, finalmente, acordar e ter o prazer de sentir seu aroma.

Eu sou seu, você sabe. Sempre fui seu eterno amor e você a minha eterna amada. Você é a bússola que guia minha vida. Sem você eu perdi meu Norte. Não me julgue, por favor, desfaça essa sentença que me lanças com seu olhar, pois meu único crime foi desejar a tua presença.

Hoje, sentado nesse camarim, nesse galeão, eu tenho apenas mais um último dizer. Esse que não será redigido em papel, mas inscrito na história de toda Cartagena. Entorpecido pela tua presença entrando pelos sete buracos da minha cabeça, eu te direi pela primeira vez, olhando no fundo de teus olhos: “Te amo e sempre te amarei, Firmina Daza”.

Florentino Ariza

Foi uma vida com você, doutor. Uma vida de felicidades e tristezas, de intensidade e sutileza, de amor e traição. Foram anos que aprendi a gostar da sua companhia, do seu cheiro e do modo como me tratava. Para aqueles que olhavam para nós – parecíamos o casal perfeito.

Mas eu não acredito na perfeição. Não na nossa relação. Agora depois de anos, sentada ao lado de seu caixão, vidrada em suas mãos sem cor, que uma vez tocaram a minha pele, eu penso em silêncio; “o que é o amor?”. Realmente nós amamos ou aprendemos a conviver? Aceitamos nossas falhas e caímos no comodismo da sobrevivência conjugal.

Eu nunca vivi minha vida, meu doutor. É como se durante minha existência ao seu lado, eu vivesse uma vida emprestada por você.

Firmina Daza


Davi Paludetto é repórter formado pela UEL. Participou do Grupo Gabo de Pesquisa durante a Disciplina Especial sobre Gabriel García Márquez, em 2020 e 2021.

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