A revolta dos pandas norte-americanos

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 1 ano atrás


Foto: Rasmus Hjortshoj/ArchDaily

China convoca os pandas, seus carismáticos embaixadores, a voltarem para sua terra natal. Patas em ação: no zoológico eles fazem a revolução dos bichos.

Murilo Triunfo de Carvalho

Era tarde da noite no Zoológico, a lua cheia iluminava o espaço. Perante sua luz etérea, todos animais se reúnem em um grande círculo e instala-se  uma algazarra. O começo de tudo foi quando um dos pandas, Lian, o mais velho, pegou um jornal do lixo. A reportagem da última página dizia que a China demandava que os EUA deportassem todos os seus pandas de volta a seu país de origem, chamando-os de seus “embaixadores carismáticos”.

“Isso é um ultraje, sem precedentes!”, bramava o urso bicolor. “Os humanos se desentendem, e somos nós que pagamos o pato!”. Os outros pandas se juntaram ao coral: “Eles nos tratam como seres de quinta categoria! Nós precisamos fazer algo a respeito!” gritava um dos mais novos.

“E não são só os pandas os maltratados! Esses malditos símios pelados nos exploram e depois ainda tem a coragem de nos chamar de ‘embaixadores’, ‘símbolos nacionais’ e todo tipo de coisa”, gritou um dos cisnes, seguido por outras tantas aves. “Isso não vai ficar assim! Nós vamos escrever um documento, e os humanos vão ser obrigados a nos ouvir”, rugiu um leão, colocando-se no meio de todos os outros.

Naquela noite, sob a luz das estrelas, todos os animais do zoológico puseram suas patas em ação e colocaram de lado suas diferenças. Os animais foram dormir orgulhosos de seu feito nunca antes visto, imaginando que a partir daquele fatídico dia, nenhum animal seria explorado por nação alguma na terra.

Na manhã do dia seguinte, um zelador ainda sonolento, dirigia-se ao seu local de trabalho. De queixo caído, descobriu que teria muito trabalho pela frente, visto que algo inacreditável havia ocorrido no ponto central do zoológico: uma cartolina que, estranhamente, possuía marcas de patas, de mãos, e de garras de todos os animais daquele lugar. “Isso deve ser uma pegadinha, aqueles adolescentes devem estar tentando me fazer de bobo. Eu não recebo o suficiente pra ter que aturar isso”, pensou ele enquanto enrolava o papel e jogava no lixo.

Para a surpresa dos residentes daquele zoológico, havia um detalhe que nenhum deles havia considerado: A incapacidade humana em compreendê-los. Espécie essa que se auto-intitula genial, capaz de tantas maravilhas, ignora por completo os outros animais, rebaixando-os a apenas “ bestas irracionais”.

O globo então, continuou como estava, dia após dia, e os animais, inquietos com suas exigências, nem ao menos negadas, mas ignoradas. O que podiam eles fazer, se o mero fato de possuírem pensamentos racionais já causava estranhamento aos seus senhores humanos?


Murilo Triunfo de Carvalho é estudante curso de Jornalismo e integrante do grupo Gabo de pesquisa.

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