“Eu só queria estudar…”
Revista Jornalismo & Ficção
atualizado 1 ano atrás

Inspirada no conto “Só vim telefonar”, de Gabriel García Márquez, a crônica retrata a história de uma jovem que se vê forçada a abandonar seus objetivos acadêmicos para fugir de um ex-namorado agressivo.
Luiz Fernando Abreu
Carlos se encontrou com a entrevistada em um dos bancos do lago Igapó. Pensou que o local aberto e com fluxo constante de pessoas tornaria a entrevista menos pesada. Cumprimentou a jovem com um aperto de mão breve e ouviu o relato de como ela abriu mão de um sonho por medo do que poderia acontecer se continuasse no mesmo ambiente que seu ex-namorado.
A história entre ela e o agressor começou como qualquer outra. Dois estudantes que se conheceram em uma festa de universitários da UEL e passaram rapidamente a trocar mensagens que se transformaram em flertes, encontros e em namoro. Ela fez questão de deixar claro que nada no relacionamento a fez perceber o que estava por vir.
Na verdade, ela só descobriu o problema quando foi até o banheiro da universidade em um dia qualquer e leu os vários rabiscos nas paredes. Alguns eram apenas assinaturas e brincadeiras, porém um que estava ao lado da maçaneta chamou sua atenção. O nome, sobrenome e curso do seu namorado.
“Meninas, não saiam com ele”, dizia o recado próximo ao nome.
“Ele tem o costume de bater em mulheres. Tomem cuidado”.
Embaixo, os relatos continuavam. Algumas estudantes prestaram mensagens de solidariedade, porém, além da primeira frase que iniciou a denúncia, outras duas também se destacaram:
“Ameaçou me matar quando eu estava na casa dele”.
“A polícia não faz nada porque ele é riquinho e ninguém consegue provar”.
Mesmo chorando, se recusou a acreditar. Lavou o rosto encharcado e voltou para a aula como se nada tivesse acontecido. No dia seguinte, adiantaram um encontro que eles haviam marcado para o final de semana e foram ao apartamento dele.
Quando confrontado, o rapaz seguiu a “receita de bolo” de um manipulador. Negou, disse que eram ex-namoradas malucas, colocou a culpa nelas, tentou justificar inventando histórias, criando narrativas incoerentes, porém a maneira agressiva do discurso só reforçava para a jovem que as denúncias na parede eram verdadeiras.
Quando ela disse que queria terminar, ele passou a gritar com ela e dizer que ninguém iria tolerá-la além dele. Ao tentar sair do apartamento ele a segurou com força pelos ombros e a jogou no chão, dizendo que ela ficaria ali até que ele terminasse o que tinha para dizer. Ela ficou horas sem poder se levantar, inclusive sob ameaças de morte. Somente quando mentiu dizendo que “iria pensar na relação deles”, o rapaz finalmente a liberou. Mas não havia mais nada a ser pensado.
Terminou com ele por mensagem e disse que não queria vê-lo nunca mais. O que seria impossível, pois ambos estudavam na mesma sala. Tentou mudar de turno, mas estudava de manhã e teria que encontrar um emprego no período da tarde e noite, o que depois se provou extremamente difícil. Não tinha tanta experiência profissional. Registrou um boletim de ocorrência na Delegacia e ouviu que o caso seria investigado, porém nada aconteceu.
Nada, além dos constantes avanços do ex-namorado, que insistia em reatar o relacionamento, prometendo que iria mudar. Quando se cansou das promessas, ele passou a espalhar para o seu grupo de amigos que a jovem havia ficado louca, inventando uma história de que na verdade ele havia terminado com ela, pois além de gastar todo o seu dinheiro, ela o havia traído. Fazia isso de forma que convencia qualquer um que escutasse suas palavras.
Ele queria destruí-la, começando por seu emocional. Passou a segui-la de longe quando ela voltava para casa. “E a UEL é escura demais de noite para quem está andando a pé”, explicou a jovem. “Já morria de medo quando podia ver ele de longe, imagina quando não podia vê-lo em lugar nenhum. Imaginava que ele ia aparecer atrás de mim a qualquer momento”. Conseguiu suportar por muito tempo. Sem amigos, sem alguém que realmente pudesse ajudá-la. Enquanto a entrevistada estava passando por isso, outro caso chocou a comunidade universitária.
Dois estudantes foram esfaqueados e mortos, em casa, por um stalker. O agressor também feriu uma outra aluna da instituição, pela qual o assassino tinha fixação, sem nunca ter existido relacionamento entre os dois.
A entrevistada não chorou durante toda a conversa com Carlos, mas entrou em prantos ao relatar: “Me enxerguei na estudante assassinada”. Explicou que para fugir dessa possibilidade, decidiu trancar o curso e mudar de apartamento. Excluiu as redes sociais e qualquer vestígio que pudesse a ligar ao agressor.
Para ela, essa era a parte que mais doía, a sensação de impunidade. Tinha que recomeçar tudo ao mesmo passo que o agressor seguiria sua vida normalmente. “Só queria estudar e viver em paz”. Esse terrível acontecimento impediu a universitária de participar da formatura com a sua turma.
Luiz Fernando Abreu é repórter do portal de notícias OBemdito, estudante de Jornalismo e editor do Grupo Gabo de Pesquisa.