Guajira e wayúus de García Márquez

Revista Jornalismo & Ficção


atualizado 9 meses atrás


O jovem repórter Gabriel, por volta dos anos 50, viajou para a Guajira em busca das memórias dos avós. Em 2017, realizando pesquisa de pós-doutorado, Ciça Guirado percorreu os mesmos caminhos para investigar origens e compreender a importância dos wayúus na obra de Gabo.

Terminal rodoviário de Riohacha, capital de La Guajira. No banheiro nada turístico, a caixa de descarga tem a marca Daza. Sobrenome comum neste pedaço do Caribe, que beira a Venezuela. Daqui saiu a maioria dos nomes de personagens de García Márquez. Daza é o sobrenome de Fermina, inspirada em sua mãe, Luisa Santiaga Márquez Iguarán no romance El amor en los tempos del cólera

Na vida real, para defender sua honra, o Coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía matou Medardo Pacheco. Então, muda-se de Barrancas – com sua prima e esposa Tranquilina Iguarán Cotes e seus três filhos – para Aracataca, onde muitos anos depois, o neto inventaria um pueblito chamado Macondo. Além dos baús da mudança, os Márquez-Iguarán levaram, os hábitos guajiros e três índios wayúus – Apolinario, Visitación e Meme – para os trabalhos domésticos. Gabriel García Márquez nasce na casa dos avós e vive com eles até os 8 anos de idade. Quando a avó Mina percebia o envolvimento com Gabito, ralhava com os indígenas em wayuunaiki – o idioma wayúu. O menino, fingia não compreender, mas absorvia lendas e cosmovisões do universo guajiro. Gabo assume, em suas memórias, que a língua doméstica de sua infância era uma mistura de espanhol, africanismos de escravos e retalhos da língua guajira.

Hoje, na rua da praia de Riohacha denominada por Primeira, dezenas de wayúus se espalham nas coloridas calçadas para vender mochilas, chapéus e outras artesanias ancestrais. Eles vivem no entorno da cidade, em pequenos agrupamentos familiares, conhecidos por rancherias, onde conservam costumes diferentes dos arijunas pessoas estranhas, não índios, possíveis inimigos. A maioria dos wayúu vive em resguardos na média e na alta Guajira, com algum apoio do governo colombiano, em troca da exploração de carvão, gás e energia eólica. Mas, apesar dessas riquezas, não têm água potável. Dependem do Deus Juya, chuva, que cai do céu só vez em quando. 

O som típico da Guajira é o vallenato. Essas histórias cantadas estão no alto- falante da praia, nas ruas e restaurantes do pequeno centro histórico. No século XIX  saía de Riohacha Francisco Moscote Guerra, cavalo e com seu acordeon. Diz a lenda que ele venceu até uma briga com o diabo, tocando o credo ao contrário. No romance do guajiro García Márquez ele aparece como um ancião que anda pelo mundo e passa, volta e meia, por Macondo, “[…] con detalles minuciosos las noticias ocorridas em los pueblos de su itinerário, desde Manaure hasta los confines de la ciénaga, de modo que si alguien tenía un recado que mandar o un acontecimiento que divulgar le pagaba dos centavos para que lo incluyera en su repertorio” (Cien años de soledad, p. 54).  

Em homenagem ao trovador, o Festival Francisco El Hombre reúne, todo ano, em Riohacha, compositores e “cantautores” de vallenato. Gabo era apaixonado pelo formato dessa narrativa, dizia que sua obra prima “no es más que un vallenato de 450 páginas […] lo que hice yo com mi instrumento literário es lo mismo que hacen los autores de vallenatos com sus instrumentos musicales” (El Espectador, 12/01/1996 apud MENDONZA, 2009, p. 97).

Outro personagem ligado a Riohacha é Francis Drake. Gabito deve ter ouvido muitas histórias dos avós sobre o terrível pirata. ”Úrsula se salía de las casillas com las locuras de su marido, saltaba por encima de trescientos años de causalidades, y maldecia la hora em que Francis Drake assaltó a Riohacha” (Cien años de soledad, p.24). Entre as lendas que circulam na Guajira está um dos milagres de Nossa Senhora dos Remédios, a padroeira da cidade, que impediu o corsário inglês e seus piratas de saquearem Riohacha, pela terceira vez, pois Francis Drake já havia destroçado a cidade em 1568 e 1596. Os fiéis tiraram a Virgem dos Remédios da catedral e a levaram para a praia. O céu ficou negro de nuvens. Os piratas, com medo do grande exército, que avistaram em toda a extensão do Mar Caribe, recuaram e desistiram. A virgem chamada Remédios, que sobe aos céus envolta em lençóis parece ser referência a essa outra virgem, também cultuada em Macondo.

Histórias da família de Gabo

No hotel, pergunto pelo paradeiro das famílias Márquez e Iguarán. “Conheço uma Iguarán que tem agência de turismo”, diz uma senhora que ouve a conversa na recepção. Horas depois encontro-me com Gloria Iguarán Ballesteros, 55 anos. “A importância de Gabo é enorme. Começamos a ler seus livros na escola. Sentimos que a obra fala da cotidianidade da Guajira. Há uma grande identificação. Na minha área de turismo, é importante como atrativo cultural”, diz orgulhosa a Iguarán, prima em terceiro grau do Nobel. Gloria me ajuda contatar outros membros da família e viabiliza uma viagem ao Cabo de la Vela. 

“Iguarán é uma das primeiras famílias espanholas a se mesclar com os nativos da árida Guajira”, informa Jesus Amilcar Iguarán Quintero, primo de Gabo em segundo grau, engenheiro civil de 79 anos. Amilcar mora num sobrado bonito da praça da matriz Nossa Senhora dos Remédios e há dez anos pesquisa a genealogia familiar. Publicou, com Helion Iguarán Morales, em 2008, Breve reseña histórica y genealógica del apelido Iguarán. Ele garante que Tranquilina, a avó do primo famoso, não tinha descendência wayúu, ao contrário do que afirmam alguns biógrafos.

“A bisavó materna de Gabo, mãe de Tranquilina, era Rosa Iguarán Hernandes, casada com Agustin Cotes. Rosa era filha de Blás Iguarán Iguarán com Juanita Hernandes de Márquez, que veio da Andaluzia, viúva e com um filho chamado Nicolás Márquez Hernandes, que se casa com uma prima. Dessa relação descenderá Nicolás Ricardo, o avô paterno de Gabo”, explica. Logo, avô e avó já eram descendentes de primos, além de serem primos entre si. Assim se deu o grande parentesco entre os avós, que assombrados pelas lendas wayúus e pelos perigos genéticos de deformação, tinham medo de ter um filho com rabo de porco. 

“Em Riohacha existem pessoas com até quatro sobrenomes Iguarán: fruto de casamentos entre parentes”, conta Amilcar. Comento que o castigo recairia sobre o filho de Aureliano Babilônia com a prima Amaranta. “Sólo cuando lo voltearan boca abajo se dieran cuenta de que tenía algo más que el resto de los hombres, y se inclinaron para examinarlo. Era uma cola de cerdo” (Cien años de soledad, p. 398). Amilcar não dá bola para a minha conversa. “Gabo não deu muito valor a Guajira. Tinha, com certeza, seus compromissos”, fala ressentido. 

E continua a narrar sobre os costumes indígenas. A esposa do engenheiro entra no escritório e oferece uma fina bandeja com suco e lanche. Ele muda de assunto. Conta do General Juan Iguarán Reither, seu avô, tio de Tranquilina, que lutou, junto com o Coronel Márquez, na Guerra dos Mil Dias. Histórias de família que dariam o substrato de informações para ilustrar a mesma guerra na obra máxima do primo. Na realidade, esse conflito civil, entre liberais e conservadores, de 1899 a 1902, matou mais de cem mil pessoas, a Colômbia perdeu o território do Panamá, após a intervenção dos norte-americanos, que construíram e exploraram, por décadas, o Canal do Panamá.

Amilcar conta que na Guajira, o homem pode ter quantas mulheres puder sustentar: “Esse é um costume wayúu que parece ter sido assumido pelos espanhóis e por seus descententes”. O próprio avô de Gabo teve um filho, com Altagracia Valdeblánquez, em Riohacha, chamado José Maria Valdeblánquez, autor de Historia del Departamento del Magdalena y del Territorio de la Guajira, publicado em Bogotá, pela Editorial El Voto Nacional, publicado em 1964. “Ele não levou o nome do pai. O coronel Nicolás Márquez Mejía não assumiu esse filho. Por aqui há muito dessas coisas”, comenta indignado. Na verdade, o coronel Márquez Mejía teve 17 filhos enquanto esteve na Guerra dos Mil Dias. História familiar plasmada em Cem anos de solidão com os 17 Aurelianos, filhos do coronel Aureliano Buendia.

Antes de despedir-me, digo que pretendo visitar uma ranchería, mas não quero ir como turista. Amilcar pede para a sobrinha me levar até a casa de seu filho Nicolás. Há algo oculto nas meias palavras daquele senhor de pele morena. No caminho, a sobrinha Luisa relata parte da história, que os críticos literários chamariam de realismo mágico. Ao lado da igreja, nos fundos de um estacionamento de carros, vive Nicolás Iguarán Ipuana com Patricia Pushaina. Os dois se disponibilizam a acompanhar-me a ranchería da família dali a dois dias. A indígena, nora de Amílcar, é líder da comunidade “La Cachaca”. Nicolás é um dos filhos de Amilcar com uma índia wayúu. 

A casa da concepção

       De calça branca, a condizer com o tênis e o boné, aparece no hotel Ricardo Márquez Iguarán, 88 anos, engenheiro civil, o primo mais próximo de Gabo. Faz questão de me levar à casa da família, onde García Márquez foi gerado durante a lua de mel de Gabriel Eligio e Luisa Santiaga, em 1926. O imóvel é herança da família Márquez Iguáran. “Minha mãe cedeu o quarto principal para os recém casados. Então, Gabito e eu fomos gerados na mesma alcova”. Brinca com a história: “Eu dizia pra ele que éramos irmãos de cama”. 

 No sobrado de dois andares, na rua do Templo, a placa da fachada descreve: “En nesta casa ungida com el aura y las sementes de las mariposas amarillas de Macondo, entre las flores y los almíbares de una luna de miel del año 1926, fue concebido y gestado el Nobel Gabriel García Márquez”. Ricardo mostra as relíquias do passado. “As janelas, o jardim do pátio interno, os pisos… Tudo está muito bem conservado”, diz orgulhoso. Sentamos na sala, em frente ao quarto onde os “amores contrariados” de Luisa e Gabriel Eligio puderam se acalmar no conforto dos lençóis. 

Ricardo quer contar sobre a última visita de Gabo a Riohacha, em dezembro 1983, um ano depois do Nobel. O motivo da viagem era acompanhar a implantação de um projeto de minério de carvão da associação Carbocol-Intercor, que almejava ser a maior mina a céu aberto da América Latina. “Queriam o aval de Gabo. Eu trabalhava na Carbocol, então organizei a jornada. Buscamos Gabo em Cartagena, em um voo charter. Sobrevoamos a mina, mostraram tudo, explicaram o projeto. Quando o avião desceu ele virou-se pra mim e cochichou: ‘Primo, a única coisa que me interessa desse projeto é a solução do problema da água na Guajira. Não importa se seremos os maiores exportadores de carvão. Meu maior desejo é acabar com a sede da população indígena’. Ele tinha razão”, diz cabisbaixo Ricardo, com o pesar de que o problema não foi solucionado. 

Gabo hospedou-se em Riohacha, com a condição de que não houvesse nenhuma programação oficial. “Preparamos uma recepção na casa dos amigos Deluque, mas Gabo chateou-se com os jornalistas, que o assediaram o tempo todo com perguntas banais. Comentou depois que o jornalismo tinha que ser outra coisa, que aqueles repórteres locais não sabiam nada da profissão”, relata Ricardo. Dia seguinte depois do café da manhã típico com salpicão de bonito e arepa branca – “que Gabo apreciou muito”- rumaram para Aracataca. “Ele estava ansioso. Era a primeira viagem a Cataca depois do prêmio Nobel. Quando chegamos, debaixo de um sol ardente de uma hora da tarde, dezenas de crianças de primária, de 10 e 11 anos, o esperavam com bandeirolas nas mãos para saudá-lo. Gabo ficou muito bravo: ‘Colocar crianças ao sol do meio dia para esperar um tonto [pendejo] como eu… Isso não está certo’ dizia ele indignado”.

Um sancocho trifásico o esperava na casa de um conhecido cataqueiro. “Às 4 da tarde já estava incomodado com as homenagens e pediu para Jaime levá-lo para Barranquilla. Ele não era de cerimônia. Não gostava de fazer discursos.  Era um homem de poucos amigos. Saiu do país ainda jovem. Quando vinha à Colômbia ver seus amigos de sempre, convidava os familiares mais próximos. Gostávamos de estar com ele, não como figura importante, mas como parente”.

Evidente que foi crescendo na família um orgulho pelo fato de Gabo ser conhecido no mundo todo, “mas o mais surpreendido com a fama era ele mesmo. Comentava que publicava uma obra e os críticos inventavam uma série de coisas que ele nunca havia pensado. De repente, escrevia sobre um pôr do sol vermelho…Então os críticos diziam que aquele vermelho era do Partido Liberal ou do Comunismo. Ele contava e ria muito dos críticos literários”, Ricardo ainda ri. 

O primo garante que García Márquez não só foi concebido em Riohacha, mas foi educado também na Guajira: “Os avós levaram um pedaço da Província de Padilla para Aracataca. Além dos hábitos, levaram empregados, índios; até a refeição do dia-a-dia era preparada com mantimentos da Guajira”. Grande parte dos nomes dos personagens marquezianos também são guajiros.  Segundo Ricardo, Gabo ligava para Jaime, seu irmão, e pedia o catálogo telefônico de Riohacha. Jaime ligava pra Ricardo, que pesquisava nomes e sobrenomes e mandava a lista para o primo escrever histórias.

Os Iguarán-wayúu

Nesse dia, no horário combinado, 14 horas, Nicolás Iguarán Ipuana pede para eu aguardar no pátio. “Patricia passou a manhã toda no hospital. Nasceu mais um neto”, diz enquanto tira água do poço. Ela passa em toalha para ir ao banheiro, separado da casa. Ele leva água para a esposa banhar-se. Ela é Pushaina, presidente da Fundação de Resgate da Cultura Wayúu. Patrícia e Nicolás estão casados, em ritual indígena, há 33 anos, têm 5 filhos e 37 netos. No automóvel de Nicolás partimos para a comunidade Cachaca, 20 km de Riohacha. 

“O terreno da Cachaca foi presente de Rafael Iguarán Laborde, avô de Nicolás, que teve filhos com uma wayúu”, vai contando Patricia. Pergunto se Amilcar, seu sogro, é mestiço, mas ela não confirma. Nicolás fica calado. A índia está preocupada. Um dos filhos foi preso por vender gasolina que comprou na fronteira com a Venezuela. “Aqui esses pequenos contrabandos são castigados, os grandes não”. Patricia diz que o esposo foi avisado em sonho. “Ele acordou, me contou o sonho e eu fui acordar meu filho. Dei um banho nele, no meio da noite, para tirar a maldição. Sem isso, a coisa poderia ser pior”. A relação dos wayúu com os sonhos é muito intensa. É como se fosse um portal de acesso ao mundo divino: um elo entre a material e o espiritual. Entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Em Macondo, os índios são os primeiros a detectar a peste da insônia, pois dela tinham conhecimento: “Visitación, uma índia guajira que llegó al Pueblo com un hermano, huyendo de uma peste de insomnio que flagelaba a su tribu desde hacía muchos años” (Cien años de soledad, p.41).

15horas. A comunidade parece vazia. Muitos trabalham na cidade ou estão pastoreando carneiros e cabras, animais mais resistentes para suportar a seca da região, símbolo de riqueza wayúu, que se mede pelo número de animais que cada um possui. Outros estão na pesca. Os indígenas vendem a mão-de-obra especializada em tirarmojarras, dourados e sierras neste trecho do mar Caribe que pertence a Cachaca. As lanchas e toda a tralha de pesca são de uma empresa que paga aos indígenas 30% do quilo de peixe, a partir de um valor estipulado por ela para cada tipo de pescado. Depois levam, diariamente, centenas de caixas para a cidade e vendem com uma margem de lucro altíssima.

No centro da ranchería, a construção de taipa coberta com zinco, aberta nas laterais para minimizar o calor, recebe 150 crianças pela manhã. Erika Iguarán Pushaina, 33 anos, filha de Patricia e Nicolás, é uma das professoras da comunidade. Ela leciona o idioma wayúu: “Trabalhamos com um Projeto de Educação, aprovado pelo Ministério de Educação, elaborado pelo povo wayúu para resgatar nossas raízes culturais. Nossos filhos estavam se afastando das tradições. Ao perder a língua e os costumes a pessoa perde a si mesmo, por isso lutamos muito para implantar esse projeto Etno Educativo”.  

O wayuunaiki, pertence ao tronco linguístico dos arawak, é falado por cerca de 400 mil indígenas que habitam o Departamento da Guajira, onde é língua co-oficial desde 1992, segundo divulgação digital do Centro Etnoeducativo – Kamüsüchiwo’u. Além do idioma wayúu, da Medicina Tradicional e da Arte dos Jogos – lutas indígenas –  as crianças têm todas as matérias normais das escolas colombianas, equivalentes ao ensino fundamental. 

 “Desde a pré-escola começam a classificar as plantas. A partir do terceiro ou quarto ano, as crianças preparam remédios. Eles têm que aprender a utilizar as plantas da comunidade. Saber se curar de um corte ou de uma febre. Se for necessário busca-se os remédios e médicos da cidade, mas todos têm que aprender nossos métodos”, assegura a Iguarán indígena, tão determinada quanto Tranquilina ou Luisa. Patricia emenda o comentário: “Tem muitos arijunas que querem acabar com os costumes wayúu. Mas não vamos deixar. Os arijunas acham que podem comprar as wayúus para casar, mas não é assim. Os wayúus têm o dote que o homem indígena ou arijuna acerta com os tios e a mãe da moça, mas a índia tem que estar de acordo. Isso faz parte da tradição. Não se vende uma pessoa”. 

Na luta pela preservação de seu povo, Patricia Pushaina realiza há 15 anos o Festival de Resgate Cultura Wayúu. As trinta e duas comunidades wayúus de Riohacha enviam representantes para a festa, que é celebrada com comidas e bebidas típicas, além das lutas e músicas indígenas. “Faço a festa na Cachaca. A vencedora vai para Uríbia, a capital indígena, onde disputa com as majai de todo o Departamento. Aí fazemos o baile – yonna – e as moças se apresentam com seus trajes wayuus (a manta e a mochila) e a maquiagem típica. Então, se escolhe a wayúu mais bela de La Wajiira”.

Um pouco afastado das casas está o cemitério de poucos túmulos. Ao redor, estruturas de taipa e palha para realizar as cerimônias e fazer as refeições. Depois de doze horas no chinchorro o corpo é lavado e colocado no caixão para enterrar. Durante 9 dias, a família oferece comida e bebida (de milho fermentado) para os parentes e amigos ‘chorarem o morto’. Depois de 5 anos os ossos são retirados. Realiza-se outra cerimônia de despedida. Desta vez os restos mortais serão depositados no “ossário” da família e o espírito passa a pertencer ao mundo divino, já sem identidade individual. O clã é matriarcal, assim o coletivo sempre é representado pelo sobrenome materno. Nesse momento têm dois túmulos de Iguarán-Pushaina. Quando uma família se muda, leva os ossos de sua linhagem. No romance, Rebeca, que era de Manaure, chega em Macondo com um pequeno baú contendo os ossos dos pais. García Márquez não revela de imediato, mas todos os detalhes levam a crer que ela era wayúu.  

Enquanto estávamos no cemitério, um arijuna de moto entrou numa casa próxima e levou uma boa quantia de dinheiro. Patricia corre atrás, mas só dá tempo de consolar as vítimas. Antes de sair da comunidade, passam na casa da nora que teve bebê. “Estão sem água”, avisa da porta uma parenta que veio ajudar. Não há água encanada na Cachaca, como no restante das reservas indígenas. Então, Patricia decide voltar rápido para Riohacha para buscar água para o netinho.  Na estrada ela pede para o marido parar na Polícia Rodoviária. Ela faz a denúncia do roubo e pede providências, mas o policial diz que não pode abandonar o posto. Nicolás continuou calado. 

No deserto de Erêndira

A camionete conduzida por Xavier Bermudes, da agência de viagens, passa no hotel em Riohacha às 5 horas da manhã. Destino: Cabo de la Vela, uma das mais belas praias da América Latina, protegida pelos wayúus do turismo depredador. O passeio inclui Maicao, cidade de turcos, libaneses e outros povos do Oriente Médio (onde ainda vivem muitos descendentes Márquez-Iguarán). Maicao é puro contrabando, uma área livre de impostos, boa para quem gosta de fazer compras, mas está perigoso passar por lá. Fica muito perto da divisa com a Venezuela, que atravessa uma grande crise econômica. A fronteira está fechada. Os venezuelanos estão proibidos de sair e os turistas proibidos de entrar. “Criaram caminhos escondidos para contrabando e para fugir da Venezuela, que não tem emprego. Mas já morreu gente que não conseguiu atravessar”, explica o motorista.

Às 7 hs chegamos em Uríbia, a capital indígena da Colômbia. Parada para o café da manhã. No banheiro do restaurante, uma vasilha enorme com água amarela e mal cheirosa para dar descarga à mão. O ácido que exalava da latrina se misturava ao cheiro do óleo rançoso das frituras na cozinha contígua. Impossível comer ali. Melhor pegar frutas no mercado e tomar café na padaria. 

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