Jornada I – Sociedade do Cansaço
Por Cristine Lois Coleti Sierra
atualizado 3 anos atrás
Introdução
“Cada época possui suas enfermidades fundamentais” (HAN, 2015, p. 7). É assim que o filósofo Byung-Chul Han inicia seu livro “Sociedade do Cansaço”. Atualmente, para além da pandemia de covid-19, temos enfrentado o boom de doenças neuronais: o Transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade, o transtorno de personalidade limítrofe e a Síndrome de Burnout são algumas das citadas por Chul Han. Esse fenômeno patológico tem sua origem não mais na negatividade de um sistema imunológico, mas no excesso da positividade.
“A violência da positividade que resulta da superprodução, superdesempenho ou supercomunicação já não é mais ‘viral’”. […] Tampouco o esgotamento, a exaustão e o sufocamento frente à demasia são reações imunológicas. Todas essas são manifestações de uma violência neuronal, que não é viral, uma vez que não podem ser reduzidas à negatividade imunológica” (HAN, 2015, p. 10-11).
O filósofo coreano supera a sociedade disciplinar de Foucault. Se, outrora, éramos vigiados, determinados pela negatividade da proibição, sujeitos da obediência, gerando loucos e delinquentes, para Byung, estamos agora na sociedade do desempenho, somos empresários de nós mesmos, em que precisamos ser onipotentes – tudo podemos. É a positividade da sociedade do desempenho que, em vez de criar a loucura e a delinquência, produz seus depressivos e fracassados – sempre estaremos aquém do que se esperava de produtividade.
“O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos” (HAN, 2015, p. 18). Na sociedade do desempenho, ser multitarefa, estar focado em muitas coisas simultaneamente, produzindo tudo ao mesmo tempo, ao contrário do que se parece, não é um avanço. Retrocedemos a níveis animalescos, quando estamos vigilantes o tempo todo.
“Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobreviver na vida selvagem. Um animal ocupado no exercício da mastigação de sua comida tem de ocupar-se ao mesmo tempo também com outras atividades. Deve cuidar para que, ao comer, ele próprio não acabe comido. Ao mesmo tempo, tem de vigiar sua prole e manter o olho em seu(sua) parceiro(a). Na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades” (HAN, 2015, p. 18).
Nossa capacidade simplesmente contemplativa deveria ser o que temos de mais evoluído enquanto espécie, mas a sociedade do desempenho jamais será capaz de admitir isso.
E é dentre estes e outros aspectos que Byung-Chul Han vai demonstrando como a sociedade do desempenho está produzindo a sociedade do cansaço, que, por sua vez, poderia acabar concebendo a sociedade do doping – com o amplo acesso ao uso de fármacos para melhoramento cognitivo, a concorrência e a competição estariam então na indústria farmacêutica.
Sobre este novo modelo social, é urgente que nós na academia também repensemos nossos modos e parâmetros de produção e desempenho – para com nós mesmos e para com os colegas. O artigo “Precisamos falar sobre a vaidade acadêmica”, publicado na Carta Capital em 2016, vai ao encontro pragmático de uma das possíveis áreas que Chul traz em seu livro. Que a vaidade acadêmica e a sociedade do desempenho não nos façam trocar o sonho de mudar o mundo pela pasta de couro em cima do muro.
Referências
HAN, BYUNG-CHUL. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica. Carta Capital, São Paulo, 24 fev. 2016. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/precisamos-falar-sobre-a-vaidade-na-vida-academica/ Acesso em: 15 maio de 2022.