Jornada III – What should academics do about conspiracy theories? Moving beyond debunking to better deal with conspiratorial movements, misinformation and post-truth.

Por Leonardo Soares de Melo


atualizado 3 anos atrás


Introdução

A pesquisa sobre Teorias da Conspiração (TC) tem crescido exponencialmente nos últimos anos. A emergência da pandemia do COVID-19 contribuiu para ampliar essa expansão, em parte pelas florescentes tentativas de se sugerir explicações alternativas sobre a origem ou difusão do Sars-CoV-2 em função de fundamentos conspiratórios, como conjecturas de complôs mundiais envolvendo atores poderosos com intenções malévolas de dominar pessoas ou grupos. Nesse sentido, investigações acadêmicas parecem ter acompanhado essa ampliação, movimentando interesses de pesquisa multifacetados e muitas vezes divergentes.

O artigo de Grodzicka e Harambam (2021) se empenhou em debater sobre esse cenário, intentando caracterizar e discutir vertentes da pesquisa sobre Teorias da Conspiração. Segundo os autores, os posicionamentos sobre esse fenômeno variam entre perspectivas metodológicas, escolas e regiões, mas é possível delimitar três grupos principais. O primeiro grupo é constituído por pesquisadores que tentam abordar TC de um ponto de vista epistemologicamente neutro, evitando estabelecer posições normativas e acusatórias. Já o segundo grupo é formado por aqueles que atrelam as TC à irracionalidade, sendo fenômenos indesejáveis e que precisam ser desbancados. Por fim, um terceiro grupo “está disposto a considerar as teorias da conspiração como aproximações potencialmente valiosas da verdade que merecem um exame minucioso” (GRODZICKA e HARAMBAM, 2021, p. 04, minha tradução).

Além de fatores epistemológicos, Grodzicka e Harambam (2021) alertam que questões de personalidade pessoal ou profissional e o contexto sociopolítico das Teorias da Conspiração também influem sobre os posicionamentos da academia. Por exemplo, “As apostas e consequências das teorias da conspiração da Terra plana ou OVNIs podem, afinal, ser significativamente diferentes daquelas nos estudos sobre teorias de saúde ou ambientais” (p. 04, minha tradução). Nesse sentido, é preciso ponderar que essas dinâmicas de pós-verdade (ou seria pós-política?) afetam diretamente a autoridade e os limites das Ciências, denotando a urgência do momento atual no sentido de se expressar o valor do conhecimento científico, social e humanístico, bem como o papel de seus representantes sociedade afora.

O artigo Grodzicka e Harambam (2021) encerra suas discussões propositivamente, sugerindo demandas por alternativas construtivistas e democráticas para o enfrentamento de Teorias da Conspiração. Conforme abordam, a tentativa frontal de se desmascarar TC são pouco produtivas, profissionais e eficazes, e uma maneira sociologicamente mais aberta para se lidar com esses fenômenos seria o desenvolvimento de “‘plataformas de conhecimento cidadão deliberativo’, em vez de apenas grupos de elite/especialistas, para avaliar a qualidade da informação no domínio público” (p. 08, minha tradução).

Se a proposta experimental dos autores é factível, isso é tema para oficinas, projetos ou outros artigos. Contudo, suas contribuições são fundamentais para se compreender que a confiança na Ciência é tão fundamental para sua distribuição social quanto o domínio técnico e teórico de seus conhecimentos. Parafraseando Bruno Latour (2012), é preciso entender que os fatos científicos são realmente sólidos, mas precisam de mobilização coletiva e institucional tanto para emergirem enquanto verdades quanto para manterem sua continuidade cultural.

Referências 

GRODZICKA, E. D.; HARAMBAM, J. What should academics do about conspiracy theories? Moving beyond debunking to better deal with conspiratorial movements, misinformation and post-truth. Journal of cultural research, United Kingdom, v. 25, n. 01, p. 01-11, 2021. Disponível em: https://www-tandfonline.ez78.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.1080/14797585.2021.1886420

LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012.

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