Um pequeno passo rumo à dignidade menstrual
Por Ana Carolina Hyrycena
atualizado 3 anos atrás
Introdução
Faltar à escola por não ter dinheiro para comprar absorventes e utilizar miolo de pão, retalhos de roupas, pedaços de jornal ou folhas de caderno para tentar conter o sangue menstrual é a realidade de muitas brasileiras. Todavia, atualmente as discussões relacionadas à dignidade menstrual têm ganhado bastante destaque em grupos feministas e têm se vascularizado em diversos ambientes, alcançando inclusive a instância política brasileira.
No dia 26 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE) e outros 34 parlamentares, que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio da rede pública, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, presidiárias e adolescentes detidas em unidades para cumprimento de medidas socioeducativas. Mas, em contrapartida, ao chegar às mãos do presidente Jair Bolsonaro (em outubro), o projeto foi rapidamente desmontado e foram vetados os artigos 1°, que previa a distribuição gratuita de absorventes, e 3°, que estabelecia a lista de beneficiárias.
Graças à mobilização de cada vez mais pessoas na luta pela garantia e manutenção dos direitos das pessoas que menstruam, o veto foi derrubado no último dia 10 de março de 2022. Quando se fala em direitos das mulheres, é preciso estarmos atentos e fortes, pois “esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida” (Simone de Beauvoir).
Nesse sentido, indico aqui o documentário Menstruação Atrasada – As falhas do sistema no combate à Pobreza Menstrual, disponível no YouTube1, que apresenta relatos de diversas mulheres sobre a menstruação, os impactos da pobreza menstrual na educação, a precariedade do sistema de saúde, a realidade dos presídios femininos, e possíveis soluções para problemas relacionados à pobreza menstrual.

É importante falar sobre menstruação para que os problemas relacionados a ela sejam vistos. Dessa maneira, para nos munirmos de mais informações a respeito desse assunto, indico também a leitura de um estudo recente, publicado em maio 2021, que foi desenvolvido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos2.
Esse estudo evidencia a relação entre a dignidade menstrual e o exercício dos direitos à água e ao saneamento adequado na escola e em casa, apontando a violação dos direitos à moradia digna, escola de qualidade e à saúde, incluindo sexual e reprodutiva, quando direitos à água, ao saneamento e à higiene não são garantidos nos espaços em que as pessoas que menstruam convivem e passam boa parte de sua vida.
Ele indica que 713 mil meninas não têm acesso a banheiros (com chuveiro e sanitário) em seus domicílios e 88,7% delas, mais de 632 mil meninas, vivem sem acesso a sequer um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade. Dentre essas que não possuem acesso a nenhum banheiro, 395 mil meninas utilizam algum sanitário ou buraco para dejeções cercado por qualquer tipo de material, e 237.548 meninas não têm nem mesmo isso, o que pode indicar defecação a céu aberto, situação de vulnerabilidade extrema na gama de situações que envolvem a pobreza menstrual.
Além disso, mais de 900 mil meninas não têm acesso à água canalizada dentro de seus domicílios, apenas nos seus terrenos. Em uma condição de vulnerabilidade ainda mais extrema, estão as mais de 570 mil meninas que não possuem qualquer acesso a água canalizada, nem no terreno, e 2,3 milhões de meninas não recebem água diariamente, o que impossibilita a higiene durante o período menstrual.
A realidade das escolas brasileiras também é alarmante, posto que mais de 4 milhões de meninas não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, porque muitas não possuem banheiro em condições de uso, não disponibilizam papel higiênico e sabão nem possuem pias ou lavatórios em condições de uso.
O estudo ainda aponta que a desigualdade de renda, racial e social afeta diretamente o acesso a itens de higiene menstrual, porque quanto menor a renda de uma família e quanto mais vulnerável ela for, menos dinheiro será destinado a esses produtos, uma vez que a prioridade é a alimentação. Ainda considerando a desigualdade racial, a chance de uma menina negra não possuir acesso a banheiros é quase três vezes maior que a chance de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições.
É urgente refletir a respeito da dignidade menstrual e buscar medidas que possibilitem a mudança dessa situação. Você pode encontrar nas redes sociais algumas ONGs que já fazem a distribuição de itens de higiene menstrual, mas elas não conseguem chegar a todo o país e, considerando o impacto da falta desses produtos como uma violação dos direitos humanos (incluindo a negação ao acesso à escola, saúde e moradia digna), essa responsabilidade precisa ser assumida pelo Estado. O acesso a esses itens é um direito humano e questão de saúde pública, por isso foi tão importante mobilizar iniciativas como as que permitiram a derrubada do veto ao Projeto de Lei 4968/19, tão importante para um tema cujo debate precisa ser mantido em funcionamento.
Além dos materiais já indicados aqui, você pode encontrar outros conteúdos sobre esse tema no YouTube e na Netflix e acompanhar hashtags como #dignidademenstrual, #pobrezamenstrual, #saudemenstrual e #livresparamenstruar nas redes sociais, participando, inclusive, das discussões atuais.
Notas
1 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aIW5RvhtyYw&ab_channel=MandatoDaltonBorba.
2 – Você pode acessar o relatório completo aqui: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio.
Referência
UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas; UNICEF – Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos. Maio, 2021. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf>. Acesso em: 20 de ago. 2021.