Entrevista com Paula Corrêa Henning
Por Alexandre Luiz Polizel
atualizado 3 anos atrás
Alexandre Luiz Polizel: Bom Paula, para começar eu quero te agradecer. É sempre importante termos esses momentos de encontro, nós somos pesquisadores e pesquisadoras que pensamos com os estudos das culturas. A nossa revista surge com essa preocupação de ouvir e fazermo-nos ouvidos, dialogar e produzir escuta é, para nós, muito importante. A gente no grupo, já te ouvia Paula, seja nos eventos ou seja pelas suas escritas, mas a gente também queria ouvi-la aqui, para compreender um pouco mais e conseguir socializar isso com os leitores. Queria agradecer muito em nome do GECCE e do quase-ciências por você se encontrar conosco nesse momento, muito obrigado.
Paula Corrêa Henning: Eu que agradeço bastante viu, por esse convite, por poder estar aqui. O Moisés é um colega que a gente lê bastante aqui e, além disso, a gente já teve encontro em bancas etc., e tá próxima do grupo de vocês, volta e meia eu o indico para leituras quando me encontro com trabalhos relacionados à Educação Ambiental, que flertam com Latour, eu digo “tem que ler o Moisés, tem que ir atrás do grupo porque é um grupo que tem publicado coisas bem interessantes, que colocam a relação do Latour com o campo da Educação Ambiental.
Acho que o grupo de vocês consegue fazer essa aproximação bastante interessante, então para mim é uma alegria estar entre pares.
A gente não trabalha com o mesmo autor, mas trabalhamos numa perspectiva que dialoga muito.
Nós somos tão poucos, eu costumo dizer isso, a gente é tão pouquinho no Brasil, então a gente tem mais é que se unir enquanto colegas que têm a mesma temática e uma perspectiva teórica relacionada, então que bom estar com vocês aqui.
Alexandre Luiz Polizel: Ficamos felizes por ouvir que estamos conseguindo também ser escutados aí e fazer um diálogo por meio das nossas escritas.
Paula eu vou tentar fazer um processo um pouco foucaultiano e nietzschiano, de tentar convocá-la um pouco a pensar algumas questões que também nos provocam, talvez a nossa entrevista seja uma socialização das angústias e, claro, porque as angústias são produtivas para nós. Para socializar essas angústias é muito produtivo que a gente saiba como você construiu as suas. Sobre a sua trajetória formativa, percebemos que você teve uma trajetória bem híbrida e hybris já nos diz aí de um conflito e uma fusão de partes que talvez não fundiriam.
Queremos ouvir um pouco, como foi essa trajetória formativa, como foram esses hibridismos, inclusive como foram os seus encontros com os Estudos Culturais das Ciências e das Educações.
Conta aí, compartilha com a gente um pouco dessa sua história e da composição das angústias.
Paula Corrêa Henning: Tá legal Alexandre, eu me formei em Pedagogia, sempre tive muito interesse pelo campo da Educação, fiz magistério, depois fui para a Pedagogia e tinha muito desejo pela pesquisa, fui bolsista de iniciação científica, aliás uma das coisas que eu conto como uma das experiências mais importantes que eu tive, uma pesquisa que não tinha aderência às coisas que eu estudo hoje, era sobre relações do alcoolismo com crianças com déficit de aprendizagem, vê que saiu completamente distante assim do que eu faço hoje; mas foi ali que eu aprendi a fazer pesquisa e me encantei por esse processo da pesquisa e desde ali – desde ser bolsista de iniciação científica -, eu decidi fazer mestrado, decidi ir para carreira acadêmica e foi no final da graduação, mas especialmente no mestrado, que eu me encontrei com as perspectivas teóricas pós-críticas.
Eu sou de Pelotas, Rio Grande do Sul, me formei na Universidade Católica de Pelotas, fui fazer o mestrado na Universidade Federal de Pelotas e me encontrei com um professor que era foucaultiano, o Prof. Jarbas Vieira (a pouco estava voltando do seu doutorado, trabalhava com formação de professores e currículo), e ele me disse “interessa muito a sua temática, mas com uma questão: precisa ser Foucault!”. Eu disse “me interessa Foucault, eu já fazia leituras de Foucault na graduação, mas nunca tinha me aprofundado. Então vamos pra essa aventura”.
Eu realmente sou uma apaixonada pelos estudos foucaultianos, sem dúvida hoje é o autor que a mim reverbera fortemente junto com Nietzsche (Nietzsche é uma descoberta que não é recente porque é desde o doutorado, uma descoberta que veio depois de Foucault, de leituras mais adensadas), eu diria ainda que Foucault é o dono do meu coração (risos), eu sou encantada nas perspectivas de Foucault, eu acho que ele nos ajuda a olhar para a educação de modo que ainda é distante do que a gente tem no campo da Educação. Sou professora das licenciaturas na Universidade Federal do Rio Grande – FURG e a gente ainda vê muito pouco das perspectivas pós-críticas aqui. Falar em Foucault é falar em Vigiar e Punir, como se ele tivesse escrito um único livro, e a gente sabe que não é assim.
Bom, no mestrado eu já me encantei com Foucault e depois em seguida que eu terminei esse ciclo eu disse “eu vou seguir para o doutorado” e estava muito na dúvida se iria para UFRGS para tentar especialmente com o grupo da Maria Lúcia Wortmann ou se iria para Unisinos para tentar com professor Attico Chassot. Foi com quem eu tentei a seleção e aprovei.
O Attico tinha uma discussão sobre filosofia e história da Ciência com autores que também me interessam muito que são Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. E foi aí que eu conheci o Moisés, que já era aluno do doutorado lá. E eu acho que eu coloquei o Attico em uma aventura, fiz muitos estudos de Feyerabend e de Kuhn, e agradeço imensamente o professor Chassot pelo adensamento teórico que tive junto a esses autores que continuam me interessando muito! Mas, vou brincar assim, ele não teve muita sorte comigo e com o Moisés (risos) porque, além do Kuhn e do Feyerabend, o Moisés foi para Latour e eu fiquei com Foucault. Tentamos fazer uma composição aí e acho que deu muito certo, porque eles também são, podemos dizer, tanto Latour como Foucault, inimigos da Ciência (com “C” maiúsculo) como descreve o Kuhn e o Feyerabend.
A minha discussão de tese de doutorado foi entender como eram esses discursos educacionais, como é que eles adentravam numa perspectiva do “fazer ciência”.
Concomitante a isso eu dava aula na Feevale em novo Hamburgo, ali eu tive a oportunidade, já tinha trabalhado com graduação, mas não em sala de aula, tinha sido diretora acadêmica das Faculdades Atlântico Sul, em Pelotas e me encontrei com a oportunidade de trabalhar com o curso que é o meu curso de formação, pedagogia. E foi ali, na Feevale, que eu aprendi a dar aula, que eu aprendi os acirramentos políticos também do que a gente faz com as perspectivas pós-críticas em educação.
Sabemos que, eminentemente, o campo educacional é um campo de teorização crítica, ao trabalhar com esses autores a gente se encanta.
Me lembro de um texto da Rosa Fisher falando sobre isso, da paixão de trabalhar com Foucault, de se encantar.
O Nietzsche diz uma coisa que me interessa muito, tem muito a ver com Foucault, ele diz que quando a gente se encontra com uma pessoa, com uma composição musical, com uma teorização, a gente tem que se perguntar: essa teorização, essa pessoa, seja quem for, ela é capaz de dançar? Penso que é essa pergunta que a gente faz para Foucault, acho que a gente aprende a fazer pesquisa com Foucault provocando as marcas modernas, mas não só isso, provocando também a nossa consolidação enquanto pesquisador, enquanto pedagoga, enquanto professora universitária e isso é uma coisa que me encanta nos estudos foucaultianos.
Há mais de 20 anos estudando esse autor e quando a gente se encontra com ele pensa coisas que a gente ainda não pensou, talvez por isso Foucault me encante tanto.
É isso Alexandre, é por aí, e eu fui parar no campo da Educação Ambiental quando fui para Universidade Federal do Rio Grande, que foi em 2008, porque aqui a gente tem um Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental, e em seguida os colegas do PPG me convidaram para participar do programa. Eu não trabalhava com Educação Ambiental e disse “por onde é que eu vou para fazer essa aproximação, para contribuir com as pesquisas do PPG?” Fui fazer as aproximações com Félix Guattari e tive um bom tempo envolvida com seus estudos. Esse foi o primeiro caminho que trilhei para me aproximar do campo de saber da Educação Ambiental.
Assim, aconteceu o trabalho com Educação Ambiental e a perspectiva pós-crítica. É um desafio hoje, é um desafio para mim, é um desafio, eu acho, para a comunidade ambiental porque a gente ainda é muito pequenino para a seara da Educação, que é marcadamente crítica e para a seara de Educação Ambiental que tem um vínculo que me incomoda bastante com a ideia da prática acima de tudo, da gente dizer que só faz Educação Ambiental quem “coloca o pé no barro”. Muitas vezes escutei isso, e eu sei que os espaços comunitários são muito importantes para a Educação Ambiental.
A Educação Ambiental também é feita na comunidade, mas não é feita só lá! Esse é um desafio nosso! Pensar que os espaços filosóficos, os autores que estudamos, também podem contribuir para olhar esse campo, muitas vezes fazemos isso por dentro da comunidade, por dentro da escola, mas às vezes a fazemos também com pesquisas especialmente filosóficas e que contribuem muito para o campo. E isso ainda é um desafio para o campo da Educação Ambiental. Então, um pouco é essa a minha trajetória, Alexandre.
Alexandre Luiz Polizel: Paula, acho que a sua trajetória toca em alguns aspectos que são também angústias nossas, acredito que a gente também pegue aí alguns autores e os usa na dança. O Moisés gosta de dançar com Latour, alguns gostam de dançar com Foucault, com Nietzsche, e nessa dança a gente vai fazendo as suas ecologias acontecerem. Aqui no GECCE esbarramos com algumas questões que, me parece, você também esbarra. Gostaria de ouvi-la um pouco sobre o espaço onde a gente está, e é claro a gente disputa esse espaço dentro da universidade. O espaço acadêmico olha para os nossos trabalhos como mera especulação. Filosófico em demasia e pouco do ensino.
Uma das questões que mais se ouve é “e o Ensino de Ciências? Onde está essa entidade que a gente precisa invocar aqui?” Como, nessa dança, que inclusive as bruxas fazem muito bem, você tem invocado esse ensino de ciências, esse ambiente que querem que esteja fantasmagoricamente presente, como que vocês aí têm se articulado para fazer essas invocações, mesmo que for para bani-los, para deformá-los ou para fazer novos pactos com eles?
Paula Corrêa Henning: Esse é um grande problema que nós temos, para quem trabalha com essas perspectivas. Primeiro dizer que são autores que se dedicaram à filosofia. Aproximá-los do nosso campo é um exercício nosso, e isso é mais do que importante, porque nós somos os pesquisadores. Quer dizer, Foucault, Nietzsche e Latour já disseram algo, o que nós temos a dizer? Acho que fazer essa aproximação tanto com o Ensino de Ciências quanto com a Educação Ambiental, com esses autores é um desafio para nós.
O que temos a dizer a partir deles, para o nosso campo de estudos, que não foi o campo que eles se dedicaram? “Ah, por que que tu usas Foucault se ele nunca trabalhou com Educação Ambiental?”
Justamente por isso talvez ele tenha muito a nos dizer, talvez ele possa nos provocar a pensar sobre o campo que ele não pensou e que pode desdobrar pesquisas. Além disso, esses autores são “malditos”. Bom, o Moisés sabe disso, já nem me lembro mais quem é que disse pela primeira vez, mas diziam que esses autores são “os malditos” e eles são os malditos mesmo, malditos no sentido de “mal-ditos”, “mal falados”, e malditos também no sentido de que eles nos provocam a ir no lugar mais difícil que tem de provocação, que é dentro de nós mesmos, das nossas verdades.
Eu costumo brincar que é fácil a gente questionar a verdade do vizinho, dizer “ah pensar por aí, não é esse o caminho”, primeiro que a gente não tá muito preocupado com o caminho (que é outro dos nossos problemas, por isso talvez não sejamos tão bem-vistos na comunidade acadêmica), mas também porque a ideia aqui é colocar em suspeita as nossas verdades, que são as mais difíceis. Paul Veyne dizia isso, vivemos dentro de um aquário e não conseguimos estranhar essas paredes, por que que a gente não consegue?
Porque elas são nossas!
Não conseguimos ver que ali têm paredes, é como um aquário, eu não consigo imaginar que ali terminou o mundo, então é um pouco isso.
Por que elas são as mais difíceis?
Porque elas são minhas!
Eu as guardei tão bem para mim, eu acreditei tanto nelas, como é que, agora [são estranhas]?
Vou dar um exemplo clássico de Foucault: se por tanto tempo na educação nós levantamos uma bandeira a favor da emancipação, do esclarecimento das consciências, que pelo espaço da escola a gente conseguiria formar um sujeito mais crítico e humano, como é que agora vem um autor como Foucault para nos dizer que a escola não é bem isso, mas é uma instituição de sequestro.
Pensar sobre essas coisas abala as nossas verdades e aí temos um grande problema. Não só para nós, mas também para a comunidade da qual fazemos parte (Educação em Ciências, Ensino de Ciências, Educação Ambiental).
O grande problema é que a Educação Ambiental é essencialmente crítica, o Ensino de Ciências com uma marca muito forte de prática e de ensinagem. Vemos isso com muita força também nos programas de pós-graduação em Ensino de Ciências, em que os resultados, o produto muitas vezes é uma metodologia ou um modo como a gente vai estruturar nossas salas de aula etc.
Se isso faz feliz o pesquisador e ele traz contribuição para a comunidade científica, acho que a comunidade está aí para ser habitada por muitos povos. O que mais pega é quando se voltam para nós e dizem assim “vocês fazem só filosofia!” Eu costumo brincar: que bom! Pra mim é um grande elogio tu dizer que a gente faz filosofia, pra mim não isso não é desmerecedor, pelo contrário, talvez a pergunta seja essa: “mas o quê que tu tá entendendo por filosofia para dizer que eu faço só filosofia?”
Do modo como entendemos eu ficaria muito feliz de saber que fazemos filosofia – uma filosofia que provoca a vida, que provoca as nossas verdades, que nos movimenta no nosso campo de saber. Isso é um pouco do que a gente tem feito dentro do nosso grupo de pesquisa (Grupo de Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia – GEECAF), ou, tentamos fazer, e o que vocês aí com certeza fazem também, movimentando nosso pensamento com Latour nessas aproximações, seja da Educação Ambiental seja do próprio Ensino de Ciências.
Então “o quê que a gente pode com esses autores?”, acho que é essa a nossa contribuição.
Alexandre Luiz Polizel: Ótimo Paula, isso nos provoca mais ainda e me faz pensar com Foucault, talvez seja um pouco Feyerabend falando que é importante que produzamos em comunidade. Foucault vai reiterar que produzimos a partir de um lugar onde colocamos o pé e nos relacionamos (a partir de uma localização). Mas isso nos leva a uma situação muito complexa, enquanto grupo, e gostaríamos de te ouvir um pouco sobre isso.
No grupo de um lado damos a mão para esse “malditos” que nos puxam, nos rodopiam e fazem a dança, e de um outro lado damos a mão para alguns autores dos Estudos Culturais que nos dizem sobre a importância de ‘não institucionalizar’, de ‘não ter uma localização’ dentro de uma instituição.
Por um lado, somos puxados aos encontros com as instituições, com os grupos de pesquisa, com os programas de pós-graduação, possibilidades de questionar essas nossas verdades, ou seja, de fazer um encontro e a dança com o maldito. Em contraponto tem um outro lado que nos puxa e nos diz um pouco o seguinte: olha talvez esta instituição te sequestre. E aí eu gostaria de te ouvir: como você vê essas instituições como algo que nos oferece potencialidades e aumento de uma potência ou nos geram algumas disciplinarizações? (e claro, a disciplinarização é produtiva sempre, ela dificilmente é simplesmente é negativa, vamos dizer assim, e aí esse dificilmente eu que adiciono nesse processo). Como essa criação de fronteiras permitiu um território para pensar, mas que nos limita, um pouco, a potência e essa destituição de fronteiras? Como as instituições estão nos ajudando ou nos atrapalhando a ser criativos?
Paula Corrêa Henning: Excelente pergunta, porque eu acho que elas são as duas coisas mesmo, e sem problema nenhum serem as duas coisas, para nós não há problema nisso. Eu vou começar com essas dificuldades da instituição, para depois ver as brechas que a instituição também pode nos apresentar.
Muitas vezes é esse engessamento, digamos assim, por todas as determinações que nós temos, nós que estamos em programas de Pós-Graduação, com o tempo que nós temos para terminar o mestrado e o doutorado, que precisamos apresentar uma produção dentro daquele tempo. Sabemos que o caminho do pensamento, o caminho da filosofia, não consegue ser medido no sentido assim do “em um ano a gente vai conseguir escrever um artigo”.
A gente não consegue medir isso, mas precisamos dar conta disso dentro de um programa de pós-graduação. Esses são os cômputos que a CAPES e a própria instituição do programa de pós-graduação esperam de nós.
Existe uma pesquisa publicada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia sobre a “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”. A última que saiu foi em 2019.
Os dados demonstram que o local de maior produção do conhecimento científico no Brasil está dentro das universidades públicas. Isso é bastante paradoxal, quando tu perguntas para brasileiros se eles conhecem o nome de algum cientista do país eles não sabem dizer, não me lembro agora a porcentagem[1], mas é uma porcentagem altíssima de brasileiros que não conseguem responder o nome de um cientista brasileiro, ainda que esteja dentro da universidade pública a maior produção do conhecimento científico.
Com isso eu quero dizer que a instituição às vezes nos limita por dentro dos seus trâmites de prazos, exíguos, da necessidade de publicação a duras penas ou com prazo determinado e tal, mas a gente faz pesquisa no país, seja colocando essas determinações ou não. Bom, aí eu chego na segunda parte da tua pergunta, do que é que a que a gente faz, como é que a gente consegue colocar essas instituições em movimento, bailando com ela o fato é que temos que, também, valorizar as instituições, saber, como tu bem dissesse, a questão do disciplinamento.
Talvez esse disciplinamento, por exemplo, que a gente tem nos grupos de pesquisa (do encontro sistemático, um por semana, uma vez a cada 15 dias e outras tantas atividades, a gente tem aqui mesmo um curso de extensão para professores) essa sistematização desse tempo e desse espaço moderno, digamos assim, talvez ela também possa nos ajudar a criar outras coisas.
Então ainda que nos engesse, talvez esteja ao nosso alcance ou façamos estar ao nosso alcance a possibilidade de criar outras coisas para além desse engessamento que a instituição nos determina, e pra mim a melhor parte da FURG é o grupo de pesquisa.
Uma das coisas que eu costumo dizer é que no grupo eu me encontro com aquilo que Nietzsche chama de “espíritos livres”, que são os espíritos amigos, aqueles espíritos que a gente escolhe para caminhar ao nosso lado, então é ali na potência da criação, da inventividade, do desejo de criar uma outra coisa (no nosso caso temos chamado de criações de outras educações ambientais), que nos fortalecemos enquanto coletivo.
Nietzsche tem uma discussão que me interessa muito, que é a questão do silêncio, da angústia, tu começaste falando da questão da angústia Alexandre!? Então, a angústia, o silêncio, a própria convalescença como diz Nietzsche – ele diz assim: muitas vezes, pelo nosso estilo de vida, terminamos não dando valor para o silêncio. Eu diria, para nossos momentos atuais, que o silêncio está, cada vez mais, sendo banido da sociedade, Nietzsche nos convida a experimentá-lo, ele diz “para um espírito livre, para um espírito guerreiro, é preciso um tempo de convalescença” (um pouco a ver com o que estávamos conversando agora), é preciso um tempo para ruminar as nossas verdades e poder colocá-las em xeque, esse é o nosso tempo de silêncio! Mas é também importante, diz Nietzsche, depois de voltar fortalecido dessa convalescença se encontrar com os espíritos amigos, se encontrar com os espíritos que nos ajudam a pensar e nos fortalecem a criação, a inventividade.
Eu acho que o grupo de pesquisa – pelo menos do jeito que a gente tem tentado criar dentro da FURG – é um rico espaço para isso. O Moisés faz isso muito bem na condução do grupo de pesquisa também.
É um pouco isso para nós, esse espaço de combate com a verdade, espaço de provocação do pensamento e de encontro por dentro da instituição, é isso que eu quero dizer, grupos de pesquisa consolidados, grupos de pesquisa cadastrados no diretório de pesquisa, grupos de pesquisa institucionalizados, mas que colocam o nosso pensamento em movimento, ainda que tenhamos todas as determinações e obrigatoriedades por dentro da universidade, do CNPq, da CAPES, ainda podemos criar espaços de respiro e de pensamento.
Para mim um desses espaços de respiro é com os espíritos livres que eu escolhi pra mim, que estão lá dentro do nosso GEECAF.
Alexandre Luiz Polizel: Paula você fala uma coisa muito interessante que me faz pensar aqui. De certa forma também vemos essa produtividade nas instituições, mas somos colocados em um tribunal (acho que Foucault é uma das figuras que mais gostava do tribunal e eu acredito que por uma inspiração do Kant até) e percebemos aqui, acredito que vocês devem passar por isso também, que geralmente a gente é levado ao tribunal (o Grupo dos Estudos Culturais das Ciências e das Educações) e às vezes somos acusados, e a acusação é da descrença e da negação das instituições se dá em relação a nós. Porque nós somos críticos das ciências que nos trazem verdades como quem traz a verdade do outro mundo.
Como você tem visto isso, ouvido isso, inclusive bailado com isso por aí? Como o grupo de vocês têm lidado com essa questão? Já que, como dissemos aqui, nós acreditamos na produtividade das instituições também.
Paula Corrêa Henning: Tá, tu tocas numa questão que é um vespeiro. Sou professora de Metodologia Científica na universidade, tu podes imaginar o tipo de discurso que se ouve, dependendo do curso em que tu entras. Entrar para dar aula de Metodologia Científica com a mesma ementa na Engenharia é uma coisa, entrar no Direito ou na Educação é outra completamente diferente.
Eu digo que, depois de todo o negacionismo científico que a gente tem vivido, fazer a crítica à Ciência pela linha da Filosofia da Ciência (que é por onde eu caminho) é bastante perigoso. Eu acho que a gente deu muito mais do que um passo para trás com isso, com todo esse negacionismo. Porque tem que tomar muito cuidado com o modo como tu fazes, e aí tem uma diferença muito grande entre o negacionismo e a crítica à Ciência (que é o que fazemos).
Então, entrar num primeiro ano de um curso de graduação para fazer uma desconstrução da Ciência sem fazer toda uma contextualização do negacionismo científico que existe hoje é um perigo, porque daqui a pouco vai todo mundo sair dizendo assim “a professora Paula disse que é melhor não tomar vacina”, então se cai no outro extremo.
Tem que tomar bastante cuidado com o modo como falamos em Ciência, claro que isso é independente do ano da graduação, mas eu acho que o primeiro ano é ainda mais perigoso, eles estão saindo do ensino médio e muitas vezes, a gente sabe, “o que o ensino médio ensina sobre Ciência?” Física, Química e Biologia.
A discussão da Ciência é pouco vista, inclusive dentro da Universidade.
O que tu tá perguntando aqui Alexandre, como é que fazemos essa crítica, eu acho que é isso: não é deixar de fazer a crítica à Ciência, é mostrar que fazemos Ciência todos os dias dentro da Universidade, mas pouco discutimos sobre a ciência.
Fazemos ciência e muitas vezes nem pensamos sobre isso, vira tão automático que eu entro lá dentro do meu laboratório, faço ciência e volto para casa, e está tudo bem.
Mas o que é essa ciência que produzimos? O que é isso que chamamos de ciência e quais são os desdobramentos éticos e políticos da ciência, dita mais pura, que nós temos hoje? Inclusive essa ciência também tem atravessamentos políticos.
E isso é uma das coisas que eu queria pontuar, por isso eu digo que é um vespeiro, é um problema dentro da universidade. Porque essas instituições que produzem ciência, se valorizam por fazer ciência (e tudo bem essa valorização), elas não discutem a ciência e fica por isso mesmo, como um pedestal de alguém que faz ciência.
Porém, nós não entendemos nem mesmo o que é essa ciência que temos produzido ou quais os desdobramentos dela, eu acho que quem nos ensina muito isso é Foucault. Quais os efeitos éticos e políticos da construção da Ciência que nós temos hoje? Pensar a instituição e questionar esse olhar duro que ela tem sobre o conceito de Ciência, talvez seja um dos nossos movimentos possíveis, trabalhando com esses autores dos Estudos Culturais, da perspectiva pós-crítica, dos filósofos da Ciência, que têm me ajudado muito a olhar para essa história da Ciência, para o modo como enxergamos o seu nascimento como uma supervalorização. Com isso não estamos dizendo que a Terra é plana.
Galileu Galilei foi muito importante para a Ciência, mas que desdobramentos de crítica da Ciência também podemos fazer de todo um arsenal científico, de construção histórica de Ciência que a marcou. Eu acho que fazer isso é, também, dar um golpe fundante na própria instituição que nós estamos dentro, e é esse o nosso papel.
Eu gosto muito de uma expressão que a Shaula Sampaio (que foi orientanda da Maria Lúcia Wortmann e é nossa colega na Universidade Federal Fluminense) utiliza bastante: talvez a gente tenha que aprender a fazer Educação Ambiental através das ruínas que ficam. E eu acho que a instituição é um pouco isso, talvez tenhamos que aprender a transitar por dentro da instituição, fazendo abalos fundantes dentro dela e saber construir a partir dessa ruína.
Dessa desconstrução. A partir dessas marteladas. Como diria Nietzsche, a gente martela o pensamento. Bom, nós destroçamos muita coisa, desses destroços, o que é possível fazer com eles? Eu acho que esse é também um dos nossos exercícios éticos do fazer pesquisa.
Alexandre Luiz Polizel: Muito obrigado por compartilhar essa possibilidade de pensarmos juntos. Você toca essa produção, tanto das instituições quanto as ruínas, e percebemos que você – para usar uma outra pensadora que pensa as ruínas, que é a Anna Tsing – como os fungos, passou por várias ruínas, e não dá para usar a palavra colonização, que é uma palavra da biologia, sem ter muito cuidado. Mas você espalhou seus micélios em várias ruínas e podemos perceber que um desses lugares foi em uma universidade da Espanha, onde você fez um estágio pós-doutoral. Sempre nos perguntamos como os Estudos Culturais da Ciências e das Educações se fazem de diferentes modos, nos diferentes territórios e localidades. Como estão sendo feitas essas colonizações, essas danças, essas frutificações nesses outros lugares? Gostaria de te ouvir sobre como foi a experiência nesse outro território, como você viu outros modos de criar e outras torções possíveis lá e como há pontos de aproximação ou não com o cenário brasileiro hoje.
Paula Corrêa Henning: Eu fiz o pós-doutorado na Universidade de Múrcia, na Espanha, dentro da Faculdade de Filosofia e fui para lá por causa do professor supervisor, o Antonio Campillo (um professor da área da filosofia que se dedica a ecologia a partir das teorizações pós-críticas, ele estuda bastante Foucault e a filosofia pós-crítica de um modo geral).
Para mim foi uma experiência extremamente importante, aliás essa discussão que eu falei aqui para vocês da questão do silêncio em Nietzsche foi o último artigo que eu produzi na Espanha, a experiência que tive lá se fez com muitas dores porque era um silêncio muito grande, o modo de fazer pesquisa na Espanha é bastante diferente do nosso modo. Se eu já dava muita importância para o grupo de pesquisa, dei ainda mais quando eu tive na Espanha, porque cada um tem um sistema, mas na Espanha eles não têm esse cultivo tão forte de grupo de pesquisa como nós temos aqui (e eu soube que não era só na Espanha, tive uma colega que fez na França e foi a mesma coisa).
Em geral, eu vejo que os colegas que têm produção potente têm um grupo de pesquisa ativo. Uma coisa é ter lá o grupo de pesquisa cadastrado no CNPq, outra coisa é ter um grupo ativo no sentido de produção, de pensamento etc. Lá na Espanha a gente ganha todas as condições para trabalhar, eles disponibilizam uma sala que é exclusiva do pesquisador, oferecem todos os recursos eletrônicos, materiais cotidianos necessários, uma biblioteca belíssima para estudo e etc. Porém, são difíceis os momentos de ter o que temos aqui, cotidianamente com nossos grupos de pesquisa, a conversação com os espíritos livres, como diria Nietzsche.
Eu senti muita falta desse espaço dos grupos de pesquisa, com certeza, foi por isso que fui atrás dessa ideia de silêncio e de convalescença em Nietzsche. Eu me encontrei com ela e isso disse muito desse tempo que eu tive de silêncio na Espanha, e que também foi extremamente produtivo, foi isso que eu contei um pouquinho antes, que a gente precisa se afastar por um dado momento, como diz Nietzsche, aprender a convalescer para então efetivamente poder retornar mais fortalecido para o combate.
De todo modo tive uma experiência muito boa, que foi poder estar dentro do programa de pós-graduação deles, em Filosofia Contemporânea e poder cursar várias disciplinas, não só da Filosofia Pós-Crítica, mas dos marcos da Filosofia Moderna para poder estudar Filosofia Moderna porque eu acho isso extremamente importante para nós.
Muitas vezes chegamos em Foucault e nesses autores sem entender o que tu falaste do Kant, eu compartilho contigo essa ideia, por que ele tinha tanto desejo pelo tribunal? Talvez seja por isso, mas só conseguimos entender essas coisas quando conhecemos minimamente uma filosofia moderna. Por que Foucault revoluciona a filosofia? Bom, para entender isso eu preciso entender o que veio antes dele. Então acho que isso é bem pertinente.
Tu me perguntou dos Estudos Culturais, eu acho que tem os prós e os contras numa universidade Europeia, quem trabalha com os Estudos Culturais já tem esse questionamento muito forte da colonização do pensamento. Mas a gente chega nesse espaço de produção de conhecimento dentro da Europa, nós que trabalhamos com a filosofia e vamos lá no berço de onde chegou toda essa filosofia para nós, encontrar com esses espaços da produção da filosofia, ela diz muito para nós, mas ela também diz de coisas importantes que nós temos no Brasil. Nossa visão colonizadora nos faz pensar que lá é muito melhor do que aqui e tem coisas que nós temos aqui e eles não tem lá, como essa produção forte dentro de um grupo de pesquisa – pode ser que exista, não estou dizendo que não existe, mas onde eu estava localizada a pesquisa era muito mais individual do que coletiva – ao mesmo tempo eu aprendi muito de filosofia (fui justamente para Faculdade de Filosofia por causa disso, eu queria ir para um espaço de produção que tinha o Programa de Pós-graduação em Filosofia Contemporânea).
Outra coisa que eu acho bastante pertinente dizer aqui (alguns dos últimos artigos que eu escrevi, eu discuti essas questões) é a questão da Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) que é uma grande rixa que nós temos. Já não temos mais a Educação Ambiental enquanto política pública em nosso país, o que temos é uma educação para o desenvolvimento sustentável que vem se alastrando cada vez mais e fazendo terra arrasada de todo o envolvimento de defesa política que nós tivemos com os pesquisadores mais de vanguarda da Educação Ambiental, e eu tenho me convencido cada vez mais da importância desses pesquisadores para que a gente lute pela Educação Ambiental no Brasil, porque na Espanha (que é da onde eu posso falar) não se fala mais em Educação Ambiental, se fala só em Educação para o Desenvolvimento Sustentável, uma forma de olhar para as questões ambientais muito atrelada a questão desenvolvimento econômico.
A Educação Ambiental crítica, de defesa política no nosso país foi extremamente importante, ainda falamos de Educação Ambiental no Brasil, na Espanha não se fala mais, também é preciso valorizar isso, e aí o que eu consegui ver lá ao tratar de Educação Ambiental é que isso se esvaziou. Se já é difícil encontrar no nosso país a Educação Ambiental nas perspectiva pós-críticas vocês imaginem na Espanha onde já nem se fala mais em Educação Ambiental, se fala em EDS. Não é possível falar em Educação para o Desenvolvimento Sustentável e trabalhar com Foucault ou trabalhar com os autores que nós temos trabalhado aqui. Então uma valorização bastante importante de um campo político que merece o nosso respeito dentro do campo da Educação Ambiental são os pesquisadores que desde a década de 90 lutam, e dos anos 2000 para cá mais fortemente, pela defesa da Educação Ambiental no país.
Alexandre Luiz Polizel: Você me fala algumas coisas que fazem pensar outros caminhos. Me parece que você apresenta que há uma produtividade muito grande nos elos, nessa coletivização que é muito característica dos países demarcados pelas epistemologias do Sul, pelos estudos decoloniais, que apresentam essa característica de um elo, uma conexão inclusive ancestral, essas ligas.
Mas eu queria torcer isso para um caminho: parece-me que você fala bastante sobre o que quebra essas ligas. Você pode me dizer, mas você usa de um conceito que eu considero nietzschiano, que é o conceito de moralização, para trabalhar lá na sua tese. Então, na sua tese, a meu ver, você já se preocupava um pouco com essas quebras de liga e por que que eu faço essa torção? Temos percebido, no nosso grupo, que há um grande avanço desse potencial moralizante – potencial no sentido de que parece que está fagocitando, está nos engolindo essa moralização, o próprio desenvolvimento, muitas vezes, é justificado em nome de um saber moral. Eu queria te ouvir sobre como você percebe essa moralização dos saberes na contemporaneidade, como você percebe que essa moralização está atravessando a Ciência? Está atravessando as educações, está atravessando as educações ambientais e inclusive que você fale um pouco sobre o que fazer ao encontrar essa moralização, como dançar quando a moral te acorrenta, queria ouvi-la um pouco sobre isso.
Paula Corrêa Henning: Nós podemos escrever um artigo (risos). Eu acho que essa pergunta é extremamente difícil de responder, primeiro que a moralização nos compõe, a todos nós querendo a gente ou não. Achamos que com esses autores fica mais fácil escapar dela, não sei se fica. Eu vejo a todo momento a moralização fazendo parte da minha vida e é horrível isso (risos), porque quando a gente trabalha com esses autores, mais ainda porque tu sabes que que a moral tá ali, tu sabes que ela tá te aprisionando, e às vezes tu não consegues te desacorrentar dela. No campo da educação, isso que tu trouxeste foi o tema da minha tese, mostrar como no campo educacional produzimos a educação a partir de saberes e a partir da moral, e esses saberes muito atrelados à uma constituição moral de cada um de nós.
Haja visto a própria questão da psicologia, vemos essa moralização a todo momento, basta ir para dentro da escola que tu vais ver a moralização operando, seja nos currículos escolares, seja no próprio conteúdo a ser trabalhado com as crianças.
A moralização acompanha o trabalho junto às crianças lá na educação infantil, seja na questão de trabalhar o egoísmo, de emprestar para o coleguinha, seja na questão da própria higiene bucal, de se comportar, sentar direitinho etc. Quer dizer, a educação, a escolarização está povoada da nossa moralização e isso não poderia ser diferente dentro de uma sociedade que é produzida pela moral, como diria Nietzsche. Nós somos um rebanho, um rebanho moralizante e moralizador, acho que esse é um dos grandes calcanhares de Aquiles que temos no campo educacional.
Uma das discussões que eu tenho feito atualmente para tentar exemplificar um pouco isso e que tem me chamado muito atenção, aliás a Educação Ambiental sempre fiz pelo viés da escola, a escola sempre foi um espaço privilegiado em minhas pesquisas. Por muito tempo trabalhei com a mídia querendo entender que Educação Ambiental é essa que estava nas mídias, mas a seleção das mídias era sempre por aquelas que estavam dentro da escola, indicação daqueles filmes que os professores utilizavam, as histórias em quadrinhos que eles usavam com as crianças, a literatura infantil, porque a escola sempre me chamou atenção e me chama até hoje, o meu objeto de análise é a escola. E uma das coisas que eu tenho estudado atualmente, que tem me incomodado muito, e já me incomodava antes da pandemia, mas principalmente na pandemia se fortaleceu ainda mais, é a ideia da escolarização obrigatória. A escolarização obrigatória é uma questão de moralização, e [retomo] de novo a ideia do negacionismo e da crítica à Ciência. Falar sobre crítica à escolarização obrigatória não é dizer que tem que acabar com a escola no país. No país que a gente vive hoje, a escola pública tem que ser uma luta nossa, inclusive ela é uma luta minha também, mas lutar pela escola não quer dizer assumir “todo pacote” e achar que tá tudo certo, que está tudo bem por aí. E uma das coisas que tem me chamado muita atenção, no pensar sobre a escola, é a união da escola com o Estado quando ela se torna obrigatória.
Tenho recorrido a história para tentar entender quando aconteceu essa união e porque nós a valorizamos tanto, quando a escola se tornou indiscutível, necessária, imprescindível no nosso mundo. E para isso aí sim eu tenho me aproximado muito forte de Nietzsche. Ele nos diz que acabamos com a escola quando ela se une ao Estado e, assim, a escola está a serviço da formação de “funcionários do Estado”. Eu acho que isso é um viés da moralização, nós determinamos o modo de conduta, determinamos um currículo nacional e definimos que aquele é o melhor para todos. Isso passa pela moralização, isso passa por uma organização de rebanho que todos nós precisamos acatar, e o que é mais emblemático em toda essa situação – e vou em Foucault com a ideia da governamentalidade – é que nós assumimos esse discurso como nosso.
Ora, não é “acabar com a escolarização obrigatória”, mas é entender os meandros, estender o nosso pensamento para além de uma escolarização obrigatória como direito.
Ela não é só direito, ela também se torna dever é porque interessa também ao Estado. Enxergar o discurso do direito e do dever da escolarização talvez mereça o nosso estranhamento e não só estranhamento, mas mereça o nosso cuidado de olhar, e não esquecemos disso: isso também é fruto da moralização.
A segunda parte da tua pergunta, é acerca de quem está fazendo pesquisa sobre essas questões. É fácil dizer (risos). Sabemos que não é fácil porque temos que estudar muito para dizer essas coisas, mas isso é fácil dizer, agora, quero ver sair disso. Então, e eu não sei te responder, Alexandre, quando somos acorrentados pela moralização, como é que fazemos para dançar à beira do abismo? Não sei, é muito difícil, isso é um paradoxo.
Foucault dizia isso “um paradoxo a gente não resolve, a gente vive” e tá bem, eu tento me apegar a isso.
Não precisamos dizer se é isso ou é aquilo, mas ela é um paradoxo. Lutar pela escola pública é um paradoxo, quando olhamos para escola pública e vemos que ela está estatizada, ela é estatal, seja ela escola pública ou seja ela privada. É um paradoxo lutarmos por ela e olhar por dentro o seu funcionamento e tá tudo bem, isso a filosofia da diferença nos ensina “tá tudo bem” olhar para esse paradoxo e entender que isso é um paradoxo. Porque entendemos que, às vezes, escapamos de uma moralização de rebanho e às vezes não, às vezes somos também a ovelhinha que está lá no rebanho. Se conseguirmos entender e estranhar esse movimento já é um modo de dançarmos à beira do abismo.
Alexandre Luiz Polizel: Me parece que para lidar com a moralidade você tem dançado à beira do abismo com um grande fetichista que é o Foucault. Ele sabe nos ajudar bem a dançar a beira do abismo quando a moralidade é o que tá no solo, o que poluiu o nosso solo.
Eu gostaria de ouvi-la um pouco nesse sentido porque nos interessa dançar nesse solo contaminado a beira do abismo com Foucault. Pelo menos eu tenho bastante esse interesse e claro, como toda pessoa que tem interesse, a gente gosta de contaminar o solo que os outros dançam. Peço para me ajudar a contaminar o solo que os outros dançam e que você fale um pouco sobre como você vê produtividade, potencialidade no Michel Foucault para pensar os Estudos Culturais das Ciências e das Educações hoje.
Como a gente consegue contagiar os outros com essa dança, com esse grande fetichista?
Paula Corrêa Henning: Olha Alexandre, eu poderia descrever vários pontos que eu acho que Foucault nos ajuda tanto com os Estudos Culturais quanto com os Estudos Culturais da Ciência, nesses diferentes espaços, nesses diferentes campos de saber que nos situamos, mas vou dizer um que me parece bastante importante: o estranhamento ao que entendemos como certo e óbvio. Estranhando o “nosso certo” talvez a gente entenda que é governado e, talvez, desse modo, consiga exercer alguma crítica e não aceitar, silenciosamente, ser governado desse modo. Com isso Foucault pode nos ajudar a pensar o movimento da cultura, o movimento de como nos constituímos, porque a cultura também é um modo de moralização diria Nietzsche. Então, nos ajuda a entender que moralização é essa que nos aprisiona, que nos captura, que nos constitui enquanto sujeitos desse tempo. Ao entender isso, talvez possamos entender que somos governados sim, talvez possamos lutar contra essas formas de governamento, de sujeição que temos hoje. Talvez o exercício político de pensar diferente do que pensamos e estender a herança das nossas raízes modernas possa nos colocar, frente a frente, com a nossa constituição enquanto sujeito. Exercer atos políticos de resistência ao que está dado e ao que está instituído.
Foucault nos ajuda a pensar em como tensionar os valores de verdade e entender que outras possibilidades de inventividade nós podemos criar. Temos que tomar bastante cuidado com isso (é uma preocupação que eu tenho), as “invenções” que nós fizemos na Educação Ambiental, no Ensino de Ciências, enfim, elas não podem ser invenções de prescrição, senão vamos continuar andando em círculos. “Bom, agora não fazemos mais só uma Educação Ambiental que recicla o lixo, mas agora fazemos uma Educação Ambiental que analisa a fotografia” não, não é isso, sabe!? Não é isso. É tensionar essas possibilidades de invenção, mas que não passam por uma definição (nós falávamos disso um pouquinho antes, didática e pedagógica do como ensinar ciência, do como fazer Educação Ambiental).
Alexandre Luiz Polizel: Eu acredito que seria muito complicado pensar a produtividade do Foucault e não contemplar os colegas e suas pesquisas no grupo, e suas inquietações. Eu percebo que dentro do GECCE uma grande inquietação como o como buscar entender essa cultura, essa Ciência, os modos de entendê-las por meio dos artefatos culturais, das pedagogias culturais.
Percebo que você faz bastante esses movimentos, então você tem escritos que analisam quadrinhos, músicas, jogos de videogames, e claro, por mais que surja esse interessamento de dentro da escola, você analisa a pedagogia cultural a partir do artefato.
Como você percebe a produtividade de estudar esses artefatos culturais? Como você acha que a gente consegue escutar, perceber, ver as associações e as desassociações que os artefatos culturais nos produzem? Inclusive, se quiser comentar um pouco como você acha que Foucault e os outros autores e autoras que você trabalha nos ajudam a fazer essa entrada e essa visão.
Paula Corrêa Henning: Nós analisamos por muito tempo artefatos culturais e ainda nos debruçamos sobre eles. E por que nos interessa muito isso? Porque sabemos que essas são as linguagens que estão aí, sejam por dentro da escola ou fora dela, mas a que chegam nos alunos.
A literatura infantil, os livros didáticos, o próprio Plano Nacional do Livro Didático, que chega dentro das escolas públicas, os filmes de animação, as histórias em quadrinhos, a revista Veja, as revistas de ampla circulação etc.
Merece nosso estranhamento para ver que discursos são esses, o que que esses materiais têm nos dito. E se é assim, Foucault nos ajuda muito, não só com a análise do discurso no sentido metodológico, mas com a própria base teórica para entender como enxergar esses discursos estabelecidos. Como eles se produzem como verdade no nosso tempo, a ponto de nós não estranharmos.
Parece que há, com todo o perigo que se tem de dizer isso, uma linearidade no discurso da Educação Ambiental, quando ela é acionada por dentro desses artefatos culturais. Eles têm enunciados que se repetem fortemente, que é a ideia do humano como aquele que destrói o planeta e a ideia do humano como aquele que salva. Parece existir o “homem bom” de Nietzsche, que seria aquele que reciclam o lixo, que fecha a torneira enquanto escova os dentes e todas essas lições ambientais que nós vamos, paulatinamente, ensinando às crianças e aos jovens, e existe um “homem mau” no sentido também de política, que destrói o planeta, que não se preocupa com o desperdício da água, que atira latinha de refrigerante andando com o carro. Temos estereótipos de “homem bom” e “homem mau”, vinculados a essa ideia atual de Educação Ambiental.
São verdades que nos tatuam, que nos produzem a ponto de isso ser tão recorrente nesses artefatos culturais, que eu já nem estranho mais. São lições ambientais que precisam ser estranhadas por nós, não no sentido de dizer que não devemos ensiná-las, mas no sentido de entender os efeitos que se produzem a partir dessas lições. Que tipo de sujeito eu estou constituindo e dizendo que é importante, ecologicamente importante, quando defino como ele deve se comportar com seu meio ambiente?
Outras possibilidades de criação são limitadas ou rompidas quando eu defino o que é um “homem bom”. O que eu preciso fazer para me colocar nesse espaço e nesse ambiente. Se eu não fizer assim, ou isso ou aquilo, ou eu sou um “homem bom” ou eu sou um “homem mau”.
Vejamos outra dessas verdades consolidadas no nosso tempo: a questão do terror e medo pela perda do planeta. Estão dizendo que se a gente não fizer tal coisa, isso acontece no ambiente em que vivemos. E é claro que as questões ambientais, os desastres ambientais, os problemas ecológicos que nós temos, eles não vão deixar de acontecer, mas é preciso não fazer [o discurso ecológico] de uma forma tão simplista como muitas vezes esses artefatos culturais nos ensinam a ponto de agirmos exclusivamente pelo medo.
As crianças, muitas vezes, são acionadas por esses artefatos culturais para simplesmente fechar a torneira enquanto escovam os dentes. Elas não sabem muito bem por que elas estão fazendo isso. Elas fazem porque elas querem salvar o planeta. Nós retornamos ao outro enunciado, “eu sou o homem bom porque eu fecho a torneira enquanto escovo os dentes. Eu sou aquele que consegue salvar o planeta”.
O humano, está sempre acima de tudo, sempre é aquele que consegue salvar. Qualquer outra coisa que venha que não o humano é um adereço, é um adendo, dentro desse espaço de meio ambiente. Isso é um perigo eminente nas lições de Educação Ambiental ensinam às crianças. Os Estudos Culturais, de um modo geral, nos ajudam a entender a cultura na qual estamos constituídos e estabelecidos e Foucault, traz para a discussão os perigos daquilo que o discurso faz conosco, ele nos produz, nos constitui.
Uma criança dos dias de hoje não é a mesma da minha época, da época do Moisés, que nem se falava em Educação Ambiental, porque nós não nos preocupávamos com isso. Nós, talvez, tivéssemos na nossa escola, e olha que com muita ajuda, duas lixeiras diferentes, uma do reciclado e uma do orgânico. Mas não existia uma discussão sobre questões ambientais lá na década de 80. As discussões se proliferam a favor da Educação Ambiental da década de 90 para cá. É um outro tipo de sujeito que nós começamos a constituir. Que sujeito é esse, que lições são essas e que discursos vêm produzindo esses sujeitos no nosso tempo? Foucault pode nos ajudar, não só Foucault, estou falando dele porque é com quem eu mais trabalho, mas as filosofias da diferença de um modo geral.
Alexandre Luiz Polizel: Paula, quando menciona esses sujeitos que produzimos, esses modos de subjetivação que operamos, olhar para o ambiente, lembra-me um amigo que você foi banca no doutoramento, o Adalberto Ferdnando Inocêncio. Ele sempre dizia, “não, não vou falar que eu estudo sexualidade, porque eu estudo meio ambiente e Educação Ambiental, porque não existe um sujeito, hoje, que é contra o meio ambiente”.
Isso me faz pensar um pouco de que hoje, e aí tentando fazer um diagnóstico do presente muito raso, há modos de subjetivação que têm constituído esse sujeito que vai topar passar a boiada.
E eu gostaria, nesse sentido, de te ouvir um pouco sobre como você tem percebido nos estudos com o seu grupo, sobre esses novos modos de subjetivação, essas sujeições, esses governamentos que estão produzindo esse sujeito que tem um outro olhar, um outro encontro com o ambiente, o meio ambiente, as educações ambientais, e como você percebe que os Estudos Culturais das Ciências e das Educações nos ajudam a fazer esses novos diagnósticos, olhar para esse sujeito?
Paula Corrêa Henning: Olha Alexandre, uma das coisas que temos discutido muito no grupo é isso. Colocamos com letras maiúsculas, Educação Ambiental, o “E” e o “A”, para mostrar que existem verdades que se produzem a partir dessa ideia de Educação Ambiental. E temos trabalhado com o desejo da criação de outras educações ambientais, com letra minúscula.
Como é que a gente costuma fazer isso?
Uma das nossas ideias é pensar o dissenso como uma potência criadora, como a gente tem chamado. Porque o que nós temos de mais consolidado, em qualquer campo de saber, é um “consenso da área”, já diria Thomas Kuhn, não é Moisés?!
Precisamos ter um consenso para ter uma ciência normal estabelecida. O que a gente busca propor é que, no dissenso, naquilo que escapa ao estabelecido pela Educação Ambiental maior, talvez tenhamos a possibilidade de criação. Porque dentro desses espaços de uma Educação Ambiental maior, a criação é cada vez menor, é cada vez mais difícil de encontrar, justo porque ela está povoada de lições e determinações do como agir, do como se comportar.
Ficaremos com as fissuras, com as ranhuras e onde pode passar, onde podem ser costuradas essas educações ambientais. Talvez o dissenso possa nos ajudar, porque nós, como tu dizes, temos um consenso de que todo mundo é a favor do ambiente, que vai fechar a torneira enquanto escova os dentes. Talvez isso seja um perigo também. Porque não sabemos por que se faz esse tipo de coisa.
Para nós que trabalhamos com filosofia, nos interessa muito. Não é só ensinar para o aluno que fechamos a torneira enquanto escovamos os dentes, mas questionar quais são os desdobramentos disso na nossa vida quotidiana.
Por que é importante fechar a torneira enquanto escova os dentes? Gisele Bündchen, faz xixi no banho e sai todo mundo fazendo xixi no banho. Mas por que a gente faz xixi no banho? Quais são as causas e as consequências que existem ao fazer o xixi no banho ou fazer o xixi acionando a descarga depois?
Talvez esses modos de olhar para o dissenso sejam produtivos, porque ele cria outras coisas, das quais, na nossa limitada organização de uma Educação Ambiental maior, não conseguimos ter espaço para isso.
Pensar pela via do dissenso, como a filosofia da diferença tem nos ajudado a pensar, pode nos levar a criar outra coisa (no campo que quisermos), no lugar daquilo que está estabelecido, quando aquilo que está ali me incomoda.
Essa Educação Ambiental maior tem me incomodado.
É por isso que é possível abrir passagem, abrir espaço, para um outro pensamento, um pouco a ver com o que o Deleuze nos disse: “um criador só faz aquilo que tem absoluta necessidade”. Se eu estou tão tranquilo com a minha Educação Ambiental, que é só aquela que coloca o “pé no barro”, que que luta pela emancipação, pela criticidade, pela autonomia dos sujeitos; eu não tenho por que criar uma outra educação ambiental ou outras educações ambientais. Mas se o dissenso se faz em mim, se o questionamento se faz em mim, isso é tão forte que é como uma onda do mar, eu não consigo mais segurar.
É preciso pensar diferente do que está estabelecido, isso já não me constitui enquanto uma educadora ambiental. É preciso pensar outras possibilidades de invenção e, talvez, daí é que nasça essa possibilidade, não sei bem qual, de criação de outros modos de olhar para o campo da Educação Ambiental.
Alexandre Luiz Polizel: Bom, da minha parte, eu vou fazer uma última provocação para pensarmos juntos. Vou usar Foucault de novo como um personagem conceitual aqui, só para nos ajudar a caminhar. Ele foi um personagem que ia a muitos lugares, encontrava muitos sujeitos, então para falar da loucura vamos ao hospital psiquiátrico, para falar da prisão vamos ouvir o que aqueles que estão enclausurados tem a nos dizer. Sabemos, Paula, que você roda bastante pelo campo dos Estudos Culturais, então você deve ter realizado muitos encontros com outros pensadores dos Estudos Culturais e dessas escutas, como você percebe alguns pontos de discussão, ou seja, que vozes, narrativas, discursos, você percebe que são muito potentes para que a gente pense e olhe com atenção. O que você considera que está florescendo nos Estudos Culturais?
Paula Corrêa Henning: Bom, eu vou te dizer que, nesse caso, Santo de casa faz milagre. Comecem lendo Moisés, mas esse você já deve ter lido muito.
Eu não trabalho só com Educação Ambiental, mas esse é meu foco hoje, assim, as minhas pesquisas mais fortes são em Educação Ambiental, e temos nos interessado muito pelos colegas que tem feito uma aproximação entre Educação Ambiental e Estudos Culturais, mas não temos muitos colegas fazendo isso hoje no nosso país.
Eu trabalho com Leandro Belinaso Guimarães, que é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e tem discussões muito interessantes sobre a imagem, sobre essa constituição do sujeito, sobre um “sujeito verde” que temos inventado de um tempo para cá.
Gosto muito da Shaula Sampaio, uma grande amiga e colega, que é professora da Universidade Federal Fluminense e que tem discutido muito essas questões e tomando os estudos de Donna Haraway e Bruno Latour.
É claro que, sem dúvida nenhuma, a Maria Lúcia Wortmann é para nós uma das autoras mais assíduas no nosso grupo de pesquisa, porque temos lido muito as discussões dela não só para pensar a Educação Ambiental, mas para as discussões de ciência e dos Estudos Culturais.
Outras colegas muito importantes, como a Marisa Vorraber Costa, Viviane Camozzato e Andressa da Costa Mutz, que é da UFRGS e tem trabalhado com essas discussões da relação com as mídias e juventudes. Essas e outras colegas movimentam o nosso pensamento para além do que está estabelecido na Educação e na Educação Ambiental.
Mas eu acho que o mais importante disso tudo é entender que ainda somos muito poucos dentro desse campo, temos que nos fortalecer enquanto coletivo. Eu e a Shaula há pouco saímos da coordenação do GT 22[2] da ANPED[3] (GT da Educação Ambiental), e fizemos um movimento de chamar/aproximar esses pesquisadores que têm trabalhado com Educação Ambiental para dentro do GT, tanto eu como a Shaula trabalhamos com as perspectivas pós-críticas, ainda pensamos muito em nomes de colegas que temos trabalhado para os fazer virem para o GT ou voltarem ao GT.
Aliás, para quem se interessa pela Educação Ambiental, o Silvio Gallo fez um trabalho encomendado no nosso GT em 2017 (um artigo maravilhoso), inclusive está publicado na REMEA[4] deste último número, em dezembro, que é sobre o campo epistemológico da Educação Ambiental dentro do GT e o que ele constatou ali foi a presença maciça das teorizações críticas no GT e alguma presença se avolumando das teorizações pós-críticas. O GT 22, e outros tantos espaços como o SBECE,[5] são espaços em que podemos mostrar que produções científicas são essas para além da teorização crítica, que também contribuem com o campo.
Não é fazer uma Educação Ambiental agora só do nosso gueto ou só foucaultiana, mas também mostrar outros autores que contribuem para pensar a Educação Ambiental. Nosso trabalho enquanto pesquisador é também circular por esses espaços e dar visibilidade ao nosso estudos, publicando no SBECE, no GT 22 da ANPED, no EPEA (Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental), mostrando essa perspectiva, mostrando os Estudos Culturais e que eles podem contribuir para o campo da Educação Ambiental. Nós, enquanto educadores ambientais, do Ensino de Ciências e de outros campos de saber que tomam assento nas filosofias da diferença temos o compromisso ético, não adianta simplesmente dizermos que são poucos que trabalham com isso, mas é preciso questionar: estamos conseguindo fazer circular o que temos feito? E fazer circular não é só em periódico, é também fazer circular dentro desses eventos porque eles também são lidos por muitos de nós.
Eu disse para vocês que me interesso muito pela escola, então outra incomodação que eu tenho é: que outros movimentos nós, enquanto grupo de pesquisa, enquanto pesquisadores envolvidos nesses campos, podemos fazer para isso circular também por dentro das escolas? Porque nem sempre os professores de escola procuram artigo científico para leitura, então como é que a gente faz a nossa produção se desdobrar para dentro da escola? Enquanto grupo, temos procurado isso a partir dos cursos de extensão e de materiais que são divulgados dentro da escola, que aqui na universidade chamamos de “materiais didático pedagógicos”[6]. Eu entendo como um compromisso ético com as nossas pesquisas: Como podemos desdobrar isso para outros espaços, para a comunidade de um modo geral?
Alexandre Luiz Polizel: Paula, muito obrigado. Eu gostaria de te agradecer mais uma vez em nome do grupo. Você nos dá um presente, como diria o Deleuze, quando um escreve, o outro fala e o que você nos dá aqui é a possibilidade de você falar por meio da escrita e falar com você e junto a você, e para nós é muito importante isso. É uma grande preocupação ética e estética do GECCE e do quase-ciências falar com o outro. Então, gostaria de agradecer muito, muito mesmo por essa oportunidade. Nesta sexta à tarde, extremamente quente, não sei como é que está por aí pessoal, mas gostaria de agradecê-la nesse dia quente no sentido de que o calor movimenta as moléculas dentro de nós.
Paula Corrêa Henning: Eu quero agradecer muito o Alexandre pela condução da entrevista. Eu quero te dizer, “para fazermos uma boa entrevista, temos que nos preparar, temos que conhecer o colega e ler alguns dos trabalhos realizados pelo entrevistado”. E eu acho que o Alexandre fez isso, porque fez perguntas bastante pertinentes. Muito obrigada e que possamos estar juntos. Participamos de dois grupos que estudam coisas muito próximas. Vocês são um grupo que tenho muita admiração e muito carinho. Gostaria de agradecer essa tarde, dizer que continuo à disposição de vocês e muito obrigado por estar com você hoje, Alexandre, me sentir tão lisonjeada assim. Uma pessoa que leu meus estudos para fazer perguntas pertinentes. Obrigado a todos vocês, obrigado aos colegas que também estão aqui. Que a gente possa ter momentos como esse em outras oportunidades, unindo e fortalecendo nossos grupos de pesquisa e a investigação científica educacional brasileira.
[1] Segundo a pesquisa 90% dos brasileiros não se lembram ou não sabem apontar um cientista do País (disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/CGEE_resumoexecutivo_Percepcao_pub_CT.pdf).
[2] Disponível em: https://www.anped.org.br/grupos-de-trabalho/gt22-educa%C3%A7%C3%A3o-ambiental
[3] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
[4] Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental. DOI: https://doi.org/10.14295/remea.v38i3.13325
[5] Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação.[6] A esse respeito ver a última produção do GEECAF endereçada à escola: HENNING, P.; SILVA, G. (Org). Educação Ambiental no espaço escolar: o que pode a escola? O que podemos nós, professores? [Livro Eletrônico]. Porto Alegre: editora Casaletras, 2022. 227p. Disponível em https://sead.furg.br/images/cadernos/Volume-33.pdf