Eu, o GECCE e o DIÁLOGO sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo.

Por Luís Morais Macaripe


atualizado 3 anos atrás


Eu e o GECCE

Sou cidadão moçambicano, formado em Educação/Ensino, tanto ao nível do mestrado como também ao nível da Licenciatura, gosto de ensinar e de aprender, tanto que acabei parando no GECCE com “os pés descalços”; foi um desafio e continua sendo.

Ouvi falar pela primeira vez sobre o grupo com o seu coordenador, posteriormente meu supervisor, o Prof. Doutor Moisés Alves de Oliveira, durante as entrevistas de seleção para o apuramento final do concurso de ingresso para estudantes de Doutorado na Universidade Estadual de Londrina.

O Prof. Moisés convidou-me a fazer parte do GECCE, e felizmente aceitei o convite, mas infelizmente achei estranho porque era uma praia em que nunca antes havia nadado, mas coloquei em mim isso como um desafio.

Quando participei pela primeira vez no encontro do grupo, durante os primeiros minutos, a minha estranheza em relação ao grupo ficou confirmada, mas ao longo do debate a minha paixão pelos Estudos Culturais das Ciências e das Educações ia crescendo; não posso dizer amor à primeira vista, porque logo à primeira bati-me com a cara no chão, mas até ao fim do debate do dia nascia um novo Luís, um novo membro do GECCE.

Acho bastante produtiva e acolhedora a forma que o grupo adoptou para os encontros, em que primeiro temos a fase da leitura individual da obra previamente escolhida, que é feita ao longo da semana toda, e depois temos a fase da apresentação das ideias e finalmente os debates, que são bastante interessantes e provocam muita curiosidade, fazendo com que, depois do debate e do encontro, ainda continue com a vontade de voltar a ler a obra mais uma vez: é uma espécie de sede que nunca acaba.

Hoje posso dizer de viva voz que conheci tarde o GECCE, porque é um grupo que mudou e continua mudando a minha forma de ver, pensar, falar e agir; ultimamente me questiono em tudo que vejo, leio e faço, até nas coisas que antes tivera assumido como normais.

DIÁLOGO sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo.

Quarta-feira, dia 6 de outubro de 2021, 8:30 horas em Londrina, e 13:30 horas em Moçambique (Brasil e Moçambique têm diferença de 5 horas do fuso horário), acontecia mais uma reunião virtual do GECCE, usando a plataforma Google Meet, estando eu em Moçambique e os colegas no Brasil. A reunião teve como objetivo discutir a obra “Diálogo sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo” de Michel Serres. Eu é que seria o responsável pela escrita do relato da reunião, de acordo com um sorteio previamente feito. 

O interesse do Grupo de Estudos Culturais das Ciências e das Educações (GECCE) de ler a obra de Michel Serres surgiu da necessidade de aprofundar as discussões em torno da formação de bases para o voo dos paradigmas de Bruno Latour e a sua provável melhor aterrissagem. Latour, por sinal, foi ex-orientando do Michel Serres, e nesta obra aparece a entrevistá-lo. É uma forma de introdução a Bruno Latour, o autor que será o nosso próximo alvo de estudos num futuro breve. E Serres teve uma grande influência no pensamento de Bruno Latour.

Bruno Latour assim como Michel Serres eram para mim pouco conhecidos, para não dizer desconhecidos, e, antes da reunião e muito antes da leitura da obra em referência, procurei em literaturas conhecer quem eles eram. 

Durante as leituras, percebi que o Michel Serres nasceu a 1 de setembro de 1930, em Agen, França, e faleceu no dia 1 de junho de 2019, aos 88 anos. Frequentou a Escola Naval e, posteriormente, a Escola Normal Superior de Paris, onde se graduou em Matemática, Letras e Filosofia. Foi oficial da Marinha francesa antes de se tornar professor universitário. Doutorou-se em Letras em 1968. Durante a década de 60, ensinou nas Universidades de Clermont-Ferrand e Vincennes e, mais tarde, foi nomeado para dar aulas de História da Ciência na Sorbonne. Também foi professor titular da Universidade de Stanford. Foi Membro da Academia Francesa e é autor de numerosos ensaios. É um dos raros filósofos contemporâneos a propor uma visão do mundo que associa as ciências e a cultura. 

Bruno Latour é filósofo e antropólogo, é professor de Sociologia na École Nationale Supérieure des Mines de Paris e na Universidade de Califórnia, San Diego. É autor de diversas obras e inúmeros artigos sobre a ligação das ciências com o resto da cultura e da sociedade.

A obra “Diálogo sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo” nasce durante cinco entrevistas feitas a Michel Serres por Bruno Latour, editado pelo Instituto Piaget, em Portugal. Os títulos das entrevistas são respectivamente: A formação; O método; A demonstração; O fim da crítica; e A sabedoria. A primeira entrevista, “A formação”, foi o objeto de estudo para o debate, visto que a obra toda é extensa, e difícil debatê-la na profundidade, no intervalo de tempo previsto para a reunião. 

A reunião iniciou com algumas críticas à tradução da edição do livro que usamos para o debate. Ela é ruim e de difícil compreensão; existe uma outra tradução melhor e de fácil compreensão, porém esta estava distante do nosso alcance. 

Apesar de sua vasta produção teórica, que contempla várias áreas como a filosofia, a educação, a literatura, a pintura, a escultura, a ciência, a cultura e a religião, Michel Serres é acusado, mesmo por seus pares, de possuir um estilo literário de difícil compreensão ou mesmo “estranho”, como o próprio Bruno Latour faz menção: 

Existe um mistério Michel Serres. Você é ao mesmo tempo muito conhecido e muito mal conhecido. Os seus colegas filósofos leem-no pouco (SERRES, s/d.(a) p. 9).

Bruno Latour faz-nos perceber na entrevista que Michel Serres é melancólico e escaldado com o seu próprio tempo, e com a sua geração, e com a geração que o formou.

A provocação que Michel Serres faz a Bruno Latour é mais para o sentido de um reencontro com a sensibilidade do que propriamente com a melancolia; o que ele está querendo dizer é que nós precisamos ser sensíveis às coisas que nos acontecem, precisamos prestar atenção e viver estas coisas; ele faz-nos provocar um reencontro com a teoria de ação, e é ali onde ele começa a trazer mais à tona a noção de uma rede de relações; daí que precisamos pensar em Michel Serres não como melancólico, mas como um estrategista de rede no sentido da sensibilidade deste mundo; não dá para passar pela vida sem ser afetado por ela. É mais útil ler Michel Serres nessa direção. Somos afetados de forma muito intensa pelos acontecimentos. 

Michel Serres critica muito a ideia de pacificidade, a ideia de estagnação, ele fala que, se a gente está na esquerda, deve ir para direita; a gente tem que diferenciar para acordar o animal que está dentro da gente, precisamos acordar deste sono dos mortos que nos mantém parados, estagnados, presos a uma epistemologia, ou aquilo que ele chama de autoestrada, a gente precisa cruzar, ir para o acostamento, furar o sinal vermelho, ir para a contramão, senão a gente vai simplesmente entrar num trem e seguir, e para piorar quem guia o trem nem somos nós, e quando a gente está no trem não sente os trilhos; está na hora da gente descer do trem e sentir os trilhos, sentir de facto o Mundo da vida. Resumindo: Não devemos nos estagnar, devemos olhar para o mundo, devemos sentir o mundo e devemos ir para o acostamento e na contramão das autoestradas.

Serres, em algum momento da sua entrevista, faz-nos perceber que não devemos estar presos aos referenciais teóricos, e que devemos pensar por nós mesmos, devemos nos arriscar a pensar por nós mesmos.

Por vezes penso que uma obra alcança tanto mais êxito quanto menos nomes próprios citar: nua, sem defesa, não isenta de saber, mas dominada por uma ingenuidade segunda que nem sempre procura ter razão, mas voltada ardentemente para a nova intuição (SERRES, s/d.(a) p. 37).

Tentar adaptar toda análise do referencial teórico para se encaixar no pensamento de um determinado autor é mortal; e isso não cria coisa nova; o que cria coisa nova é se arriscar a dizer o que você pensa, desprotegido.

Referência
SERRES, Michel. Diálogos sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo: conversas com Bruno Latour. Lisboa/Portugal: Instituto Piaget, s/d(a).

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