Diálogos Capitais: Os usos sociais das Ciências

Por Alex Marcelo de Campos


atualizado 3 anos atrás


Introdução

O professor Moisés abriu o encontro pautando uma fala do aluno Leonardo, que foi questionado num encontro científico sobre o fato de os Estudos Culturais das Ciências contribuírem para a perpetuação dos discursos anticiência presentes na sociedade contemporânea. A pergunta foi proferida por um expoente que havia “utilizado” Bourdieu, autor discutido nos encontros dos dias 29/09/21 e 06/10/21.

Valter: — Acho que a grande questão é a égide não caudatária, no que é replicado pelo Moisés que explica a terminologia caudatário – é aquele que se filia a uma estrutura de poder, aquele que é dependente do poder, no que Valter considera que pagamos o preço por não sermos facilmente localizáveis dentro do campo. As críticas externas visam depreciar o modo de fazer ciência dos grupos de estudos culturais. 

Para Moisés, os Estudos Culturais vão sempre ter algum tipo de estranhamento com a academia e com os sistemas disciplinares. Isso não significa que necessariamente não sejamos caudatários de alguma estrutura de poder. 

Marlon: — Tiro o chapéu para vocês dos Estudos Culturais pelas críticas que escutamos nos círculos exotéricos e agora creio que essas críticas ou são canalhas ou são ingênuas, quando dizem que os estudiosos pós-modernos abdicam das teorias. É necessário conhecer muito da teoria para poder colocá-la de lado. 

Alex relatou os eventos associados à presença do professor Fernando Haddad no território em que seu trabalho de mestrado envolvendo a Pomada Milagrosa vem sendo desenvolvido. Pontou sobre os encontros com o escritor Raduan Nassar na UFSCar em Buri-SP, com o bispo Dom Arnaldo Cavalheiro, de Itapeva, e com os assentados da reforma agrária na região de Itapeva. Fez uma colocação sobre o fato de o MST hoje estar colocado na Bolsa de Nova Iorque e fazer uma produção digna do Agro em contrapartida à produção romantizada proposta por uma produção essencialmente de subsistência, no que Moisés diz que isso lhe chama a atenção para um deslocamento que está ocorrendo com o movimento.

A aluna Vitória relata que atuou como professora durante quatro anos num assentamento do Movimento Sem Terra e aponta que a educação nos assentamentos é essencialmente utópica e não funcionará em hipótese alguma, pois os alunos não querem abraçar o Movimento, disse que a maioria não tem interesse em continuar no movimento. 

Moisés pergunta se esse é o preço do sucesso do Movimento. No que eu replico com as palavras da Dona Nazaré. O Movimento Sem Terra é o grande responsável por dar guarida aos descamisados. É importante ponderar o que eu seria e o que eu sou. Disse ainda que o modo de vida nos assentamentos ainda está contaminado com as demandas e desejos da sociedade capitalista.

Concluo que há um desejo na sociedade de que os militantes do Movimento Sem Terra sejam uma espécie de hippies agrários. 

Moisés menciona o ideal do Acesse, de acordo com Latour, em que a possibilidade de militantes do MST usarem Glifosato ou andarem de Amarok seriam pecados capitais, que maculariam a sacralidade do Movimento. 

Valter relatou experiências familiares acerca do Movimento Sem Terra, concluindo sobre as dificuldades de se morar/sobreviver nos assentamentos/ocupações. Falou sobre uma visita que fez a uma central de produção do leite Terra Viva do MST em Paranacity e concluiu dizendo que as pessoas que vão para o MST precisam resolver situações práticas de sua vida.

Leonardo fala que o que chama atenção na sociedade é o fato de um sem-terra estar de Amarok ou um de comunista estar de iPhone, mais do que um capitalista estar de Clio 1.0.

Moisés relatou a conclusão do projeto de extensão associado à revista Quase Ciência e informou que convidou a Profa. Cristina Simon, do Disque-Gramática, para atuar como colaboradora do projeto de extensão. Relatou ainda que o colega Alexandre está cuidando do ISSQN da revista.

Encerrada a sessão de informes, passou-se ao debate sobre a obra “Os usos sociais da ciência”, de Pierre Bourdieu.

Leonardo aponta que ainda não havia lido esse livro e diz que tem lido especificamente Latour nos últimos tempos. Aponta que Latour e Bourdieu são antagônicos. Entende que Bourdieu é um estruturalista, um neokantiano. Considera um autor muito complexo. Serviu para entender a noção de campo, a partir de uma análise marxista e pós-moderna, que vai sendo construída ao longo do texto, que é relativamente autônomo entre a linguagem e o mundo social. 

O autor tenta fugir de uma dicotomia estrita, em especial em relação ao determinismo. O campo é determinado pelas relações sociais, porém elas são fracas. A noção de refratário aparece de maneira bem delineada. A oposição conceitual às suas leituras não o impediu de aproveitar a obra.

Moisés diz que Latour no seu “vida de laboratório” usou conceitos de crédito e credibilidade que Bourdieu usa nessa obra. Também há menções a Thomas Khun nessa obra de Latour. Moisés “provoca” Leonardo sobre o afastamento versus aproximação entre Latour e Bourdieu.

Em sua réplica, Leonardo aponta que Bourdieu parte de uma tradição humana na leitura da sociologia, enquanto Latour é muito mais crítico que Bourdieu nas análises sociológicas. Bourdieu e Latour se afastam, pois Latour tenta se afastar do programa forte da Sociologia, quando radicaliza a noção de etnometodologia e chega à noção de não humano, enquanto Bourdieu parte de uma relação essencialmente humana sobre as relações sociais. Bourdieu trata a Sociologia como a ciência de todas as ciências. Latour é muito mais crítico à Sociologia que Bourdieu, que lidou melhor com a Sociologia que Latour.

Para Moisés, Latour se afasta do programa forte da Sociologia, enquanto Bourdieu busca aproximações com o programa Forte da Sociologia, que está ligado à sociologia do conhecimento. A intenção das leituras é de nos aproximarmos das interpretações de Latour.

Marlon diz que é importante localizar o texto em seu contexto, pois o “livreto” é um apanhado, publicado por conta de um colóquio. Bourdieu fala da autonomia do campo, em que os campos vão se desenvolvendo e criando suas próprias regras e leis. As relações de forças são relações menos estáveis. O livro é um panfleto de divulgação da Sociologia do Conhecimento, de Bourdieu. O fluxo de forças é um fluxo transformador.

Valter diz que Bourdieu aplica no campo científico teorias utilizadas em outras análises e obras. O texto está bem ligado às discussões que o grupo faz sobre ciência, dialogando com as outras leituras realizadas no último período. Bourdieu fala em campo de força. Dentro do campo devem ser analisados os atores em função de suas magnitudes e do capital presente em cada analito. Disposições dentro do campo das ciências. Atores sendo referenciados ou não. Não é possível negligenciar determinados atores, gostando-se ou não de cada um deles.

A rede latouriana é um sistema de forças em constante tensionamento. Ter ou não a posse dos determinados tipos de capitais vai definir a extensão dos aprofundamentos gerados pelos campos.

Gabriela disse que leu e comparou com Latour. Gostou de conhecer a teoria do campo. Considera que Bourdieu e Latour mais se afastam que se aproximam. Bourdieu diferencia muito os campos enquanto Latour mescla esses campos, mesmo que não os chame assim. Bourdieu relaciona o texto ao contexto, o que ele chama de campo. Informou não ter entendido o que é o habitus.

Luís percebeu que o trabalho é o resultado de uma conferência e cita a página 21: “…é preciso escapar de toda ciência pura…”. Bourdieu quer distanciar a ciência escrava, que está a serviço da demanda política e da demanda econômica, da ciência social. O mundo social demanda entendermos o que é o habitus, o que é o campo e o capital. O Habitus molda a sociedade e o comportamento dos indivíduos. Não está preso nem à sociedade nem ao indivíduo, de maneira única e pura. Como agimos dentro da estrutura social e cultural, o habitus explica na sociedade as desigualdades e diferenças na sociedade. Habitus são estruturas estruturantes. É algo difícil de ser rompido. Campo é o local onde o habitus se expressa/aparece. No campo, o habitus se torna um senso comum. É onde tudo deve parecer com o que está. O capital cultural, o econômico, o simbólico e o científico contribuem para a formação do habitus. Capital, campo e habitus são interdependentes e interrelacionados.

Milene disse que gostou muito do livro. O poder do capitalismo lhe chamou a atenção no livro. Fazer as ligações entre os campos é necessário. A ciência não é disponível para todos. A alfabetização e o letramento científico ainda não estão consolidados. A negligência daqueles que estão próximos de nós é uma constante em nossa produção científica.

Leonardo disse que tornou algébricas as relações entre capitais científicos, o puro e o institucional – sendo o institucional mais burocrático –, que geram dois tipos de poder: um poder geral e político e o outro, específico do pesquisador. O avanço das ciências é dependente das condições práticas da pesquisa. Ele quis saber se alguém fez leituras semelhantes.

Valter: — Os dois tipos de capitais dentro do campo científico são fundamentais para que a ciência ocorra. Cita a escola de Frankfurt, onde Horkheimer cuidava da administração da revista e exercia o poder político, e Adorno exercia o poder específico de pesquisador. Conclui dizendo que a complementaridade das ações é fundamental para o bom desenrolar das atividades científicas.

Leonardo replica que o poder do prestígio pessoal do pesquisador pode gerar poder institucional, que ele compreende como sendo capital científico. A relação entre poderes deve ser uma constante na prática acadêmica. Cita Kuhn e Fleck como exemplo de atração entre aliados.

Para Valter, a metáfora física elucida as influências dos indivíduos nos campos. O campo é o campo da disputa. Só se tem reconhecimento se se tem conhecimento. Ele reconhece as contribuições do Luís e diz que as questões se interconectam. Os instintos não permitem liberdade em relação ao ambiente. O habitus permite liberdade.

Moisés falou que as influências marxistas organizam as ideias de Bourdieu de maneira estruturalista. O pós-estruturalismo traz uma cientificidade, uma racionalidade de que é possível criar, a partir do discurso, certas condições de conseguir achar as causas primeiras. Aqui o estruturalismo não significa a busca de essência, mas a busca de como estabelecer racionalidades e boas explicações ao campo. Para Bourdieu, o capital circula entre os diferentes campos. Se você é minoria, seu capital vai resvalar no habitus. A força do capital escolar é deletéria. O habitus é um jogo contingente, é uma questão condicionante.

Gabriela cita a página 24: “…Os agentes caracterizados pelo volume de seu capital…”. Para Latour, um conhecimento será mais bem aceito se estiver mais articulado e conectado. Quanto mais poder e mais conhecimento tem essa pessoa, mais influente ela é na rede.

Marlon explica que o mundo não é estruturado. Bourdieu contribui para a formação de um processo educativo libertário. A educação deve ser revolucionária e não apenas servir para a resolução dos problemas individuais.

Para Moisés, a razão crítica não é páreo para o habitus. Não é possível entender o indivíduo. Bourdieu contribui para a escola crítica, como Paulo Freire e Berzelius, entre outros.

Referência
BOURDIEU, P. Os usos sociais das ciências: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp, 2003.

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